AGÊNCIAS ESPACIAIS

BRICS amplia cooperação na área espacial e busca reduzir assimetrias tecnológicas entre os países-membros

Encontro em Brasília discute ações conjuntas para fortalecer o uso sustentável do espaço e ampliar o intercâmbio de dados e de tecnologias.

Representantes das agências espaciais do BRICS se reuniram para discutir iniciativas voltadas à redução das assimetrias tecnológicas, à promoção da sustentabilidade no espaço e ao avanço da Constelação Virtual de Satélites de Sensoriamento Remoto do BRICS | Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR
Representantes das agências espaciais do BRICS se reuniram para discutir iniciativas voltadas à redução das assimetrias tecnológicas, à promoção da sustentabilidade no espaço e ao avanço da Constelação Virtual de Satélites de Sensoriamento Remoto do BRICS | Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR

Por Maiva D´Auria | maiva.dauria@brics.br 

Líderes das agências espaciais dos países do BRICS se reuniram nesta semana, em Brasília, para fortalecer a cooperação internacional no tema, com foco em três eixos principais: redução das assimetrias tecnológicas entre os países-membros, promoção da sustentabilidade no uso do espaço e avanços na Constelação Virtual de Satélites de Sensoriamento Remoto do BRICS.

Na abertura do encontro, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou o caráter estratégico da cooperação entre os países do bloco. “Estamos tratando aqui de ações extremamente estratégicas, que funcionam como um importante fator de integração. As agências dos países que compõem o BRICS estão reunidas para definir de que forma poderão fortalecer suas cooperações — especialmente nas áreas espaciais e de observação da Terra”, afirmou.

Ela ressaltou ainda que o espaço vem ganhando papel central no desenvolvimento de soluções para áreas sensíveis como saúde, agricultura e meteorologia. “Precisamos dominar tecnologias que nos permitam criar alternativas eficazes para os desafios que enfrentamos, sobretudo diante do aquecimento global”, completou.

Para Asanda Ntisana, da Agência Espacial da África do Sul, a troca de experiências entre os países do BRICS fortalece a visibilidade das iniciativas espaciais e garante uma comunicação alinhada | Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR
Para Asanda Ntisana, da Agência Espacial da África do Sul, a troca de experiências entre os países do BRICS fortalece a visibilidade das iniciativas espaciais e garante uma comunicação alinhada | Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR

Assimetrias

De acordo com o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Marco Antonio Chamon, a troca de informações e dados entre os países é fundamental para equilibrar as capacidades técnicas das agências espaciais. “Nem todos os países do BRICS possuem o mesmo nível de infraestrutura, experiência ou recursos. Por isso, uma das nossas metas principais é reduzir a assimetria tecnológica por meio de cooperação técnica e capacitação”, afirmou.

Chamon citou como ação concreta a proposta de criação de iniciativas voltadas ao treinamento de pessoal, intercâmbio de estudantes e pesquisadores, e compartilhamento de estruturas de ensino e pesquisa. “Cada agência pública tem sua capacidade própria, e a ideia é que elas possam ser colocadas à disposição dos demais países. O Brasil, por exemplo, tem muito a oferecer nesse campo.”

Para Asanda Ntisana, especialista em Relações Institucionais e Stakeholders da SANSA (Agência Espacial da África do Sul), a troca de experiências entre os países do BRICS fortalece a visibilidade das iniciativas espaciais do grupo e garante uma comunicação alinhada.

“Acreditamos que esse mecanismo garantirá consistência nas nossas mensagens e, consequentemente, resultará em uma voz coesa e unificada da parceria, especialmente em plataformas globais”, disse Ntisana. Ela destacou que, na África do Sul, a agência vem investindo na formação de profissionais por meio de bolsas, estágios, programas de divulgação, apoio à pesquisa e parcerias com instituições acadêmicas, todos voltados para o desenvolvimento de um corpo qualificado de especialistas em espaço no país.

Sustentabilidade no espaço

O segundo ponto central das discussões foi a preservação do ambiente orbital. Segundo Chamon, o grupo entende esse tema de duas formas principais. A primeira diz respeito ao lixo espacial. “Mais e mais satélites têm sido lançados e eles morrem, ficando sem controle no espaço. Isso atrapalha — já causou dificuldades inclusive para o próprio Brasil. Já tivemos satélites nossos atingidos por pedaços muito pequenos de outros veículos espaciais.” Apesar dos danos não terem inviabilizado os equipamentos, o fenômeno tem ganhado relevância nas discussões técnicas.

A outra preocupação é o tráfego orbital. “Da mesma forma que existe regulação para o tráfego aéreo, queremos nos mover e buscar alguma regulação para a área espacial”, explicou. Segundo ele, o desafio é equilibrar o livre uso com o acesso equitativo. “Do ponto de vista do aproveitamento das capacidades do espaço, eu gostaria de cada vez menos regulação. Mas, do ponto de vista da utilização justa por todos os países, precisamos pensar em regulamentações. Obviamente, não é um trabalho para uma única gestão.”

Marco Antonio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira, durante reunião do BRICS em Brasília. "A cooperação entre os países é essencial para reduzir as assimetrias tecnológicas no setor espacial."  | Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR
Marco Antonio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira, durante reunião do BRICS em Brasília. "A cooperação entre os países é essencial para reduzir as assimetrias tecnológicas no setor espacial." | Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR

Compartilhamento de dados dos satélites

O terceiro tópico discutido durante os dois dias de reunião foi a Constelação Virtual de Satélites de Sensoriamento Remoto do BRICS — um mecanismo de compartilhamento de dados espaciais composto por satélites já em órbita. Em 2021, os cinco países fundadores do grupo — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — assinaram um acordo para troca de dados em situações de emergência e sob demanda. A ideia agora é ampliar esse acordo aos países que ingressaram mais recentemente no bloco.

Durante o encontro, Dmitry Bakanov, diretor da Roscosmos — a Corporação Estatal para Atividades Espaciais da Rússia — reforçou a importância da cooperação. “A Rússia é uma liderança em tecnologias espaciais e podemos compartilhar nossa experiência e desenvolvimentos para que outros países também se beneficiem. Por exemplo, no caso de agrupamentos de sensoriamento remoto da Terra, poderíamos fornecer imagens de satélite a países em situações de desastres tecnológicos, como aconteceu durante o terremoto na Índia.”

Ele destacou ainda que a troca de dados é uma via de mão dupla. “Também recebemos — como foi o caso da China — imagens que ajudaram a combater o vazamento de óleo combustível no Mar Negro, quando houve um derramamento.”

COP30

Os delegados propuseram a realização de uma ação conjunta envolvendo todos os países do BRICS que possuem satélites. A iniciativa consiste no compartilhamento de imagens de satélite da cidade de Belém, capital do Pará, onde ocorrerá a COP30, em novembro deste ano.

A proposta tem caráter simbólico: trata-se de uma vitrine das capacidades tecnológicas dos países do BRICS, demonstrando como os membros do grupo podem atuar de forma coordenada e integrada, apresentando iniciativas conjuntas voltadas para a região amazônica.

Conselho Espacial dos BRICS

Na ocasião, o Brasil também retomou a proposta de criação de um Conselho Espacial dos BRICS, apresentada inicialmente no ano passado, durante a presidência da Rússia.

Segundo o presidente da AEB, a criação do Conselho permitiria organizar de forma mais eficaz os diversos projetos em andamento entre os países, como o compartilhamento de imagens, o treinamento de especialistas e a troca de informações técnicas. “A ideia é estabelecer um mecanismo mais estruturado de governança para as iniciativas espaciais do grupo, considerando que o BRICS ainda funciona de forma informal, sem instâncias permanentes de decisão, como ocorre em organismos internacionais mais consolidados”, explicou Chamon.

A proposta foi bem recebida por alguns países, enquanto outros ponderaram que é necessário evitar a proliferação de estruturas formais. Como encaminhamento, foi definida a formação de uma força-tarefa para amadurecer a proposta ao longo da presidência brasileira do BRICS, com o objetivo de consolidar uma versão mais robusta até o final do mandato e submetê-la à votação, possivelmente durante o encontro na Índia, em 2027.