DISCURSOS

Discurso do presidente Lula na abertura da Primeira Reunião de Sherpas da presidência brasileira do BRICS

Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a abertura da Primeira Reunião de Sherpas da presidência brasileira do BRICS, em 26 de fevereiro, em Brasília (DF)

Gostaria de dar as boas-vindas aos sherpas do BRICS.

É uma satisfação receber a Indonésia como mais recente membro pleno e a todos os demais membros e parceiros.

Esta é a primeira vez que nosso bloco se reúne no Brasil em seu novo formato.

Neste momento de crise, nossa responsabilidade histórica é buscar soluções construtivas e equilibradas.

Ao longo das últimas quatro presidências do G20, sob a liderança da Indonésia, da Índia, do Brasil, e agora da África do Sul, o BRICS tem sido central para avanços importantes.

O BRICS também continuará a ser peça-chave para que os ideais da Agenda 2030, do Acordo de Paris e do Pacto para o Futuro possam ser cumpridos.

A presidência brasileira vai reforçar a vocação do bloco como espaço de diversidade e diálogo em prol de um mundo multipolar e de relações menos assimétricas.

Esses objetivos guiarão nossos trabalhos ao longo deste ano.

Propomos seis eixos principais:

Primeiro: A Reforma da Arquitetura Multilateral de Paz e Segurança é inadiável.

O recurso ao unilateralismo solapa a ordem internacional.

Quem aposta no caos e na imprevisibilidade se afasta dos compromissos coletivos que a humanidade precisa urgentemente assumir.

Negociar com base na lei do mais forte é um atalho perigoso para a instabilidade e para a guerra.

Frente à polarização e à ameaça de fragmentação, a defesa consistente do multilateralismo é o único caminho que devemos trilhar.

China e Brasil deram uma contribuição importante com a criação do Grupo de Amigos da Paz para o conflito na Ucrânia.

A crise em Gaza desperta intensa preocupação e só será resolvida com o envolvimento dos países da região.

Há apenas seis meses, o Brasil lançou um “Chamado à Ação sobre a Reforma da Governança Global” no âmbito do G20.

Mudanças vertiginosas no cenário internacional tornam essa convocação ainda mais necessária.

As últimas Cúpulas do BRICS foram unânimes em reconhecer a urgência da reforma das Nações Unidas, inclusive do Conselho de Segurança.

A adequada representação dos países emergentes é essencial para uma governança mais eficaz e legítima.

Segundo: A Cooperação em Saúde é uma das maiores urgências do Sul Global.

A pobreza, a falta de acesso a serviços básicos e a exclusão social são terreno fértil para doenças como tuberculose, malária e dengue e outras, que juntas ameaçam cerca de 1,7 bilhão de pessoas no mundo.

Durante a nossa presidência, pretendemos lançar uma Parceria para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas e Doenças Tropicais Negligenciadas.

A ausência de acordo em torno do Tratado sobre Pandemias, mesmo após a COVID-19 e a pandemia de MPOX, atesta a falta de coesão da comunidade internacional diante de graves ameaças.

Sabotar os trabalhos da Organização Mundial da Saúde (OMS) é um erro com sérias consequências.

Fortalecer a arquitetura global de saúde, com a OMS em seu centro, é fundamental para garantir o justo e equitativo acesso aos medicamentos e vacinas necessários ao desenvolvimento sustentável de nossos países.

Terceiro: Contribuir para o aprimoramento do sistema monetário e financeiro internacional está na origem do BRICS.

Na Cúpula de Fortaleza, em 2014, decidimos criar um Banco desenhado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando.

Baseado no princípio da igualdade de voto e do financiamento alinhado às prioridades nacionais, o Novo Banco de Desenvolvimento completa dez anos de sucesso, com mais de 33 bilhões de dólares investidos em projetos de desenvolvimento sustentável no Sul Global.

O Arranjo Contingente de Reservas visa a garantir segurança financeira para nossas economias.

A atual escalada protecionista na área de comércio e investimentos reforça a importância de medidas que busquem superar os entraves à nossa integração econômica.

Aumentar as opções de pagamento significa reduzir vulnerabilidades e custos.

A presidência brasileira está comprometida com o desenvolvimento de plataformas de pagamento complementares, voluntárias, acessíveis, transparentes e seguras.

Diante da rapidez com que a indústria vem se transformando, estarão dentre nossas prioridades aprofundar a Parceria para a Nova Revolução Industrial (PartNIR) e promover a necessária atualização da Estratégia para a Parceria Econômica do BRICS para 2030.

Precisamos de soluções que diversifiquem e agreguem valor à produção de países em desenvolvimento.

Quarto: A crise climática fica evidente pelo fato de que o ano passado foi o mais quente da história.

Pela primeira vez, as temperaturas mundiais excederam o limite crítico de 1,5º graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.

O planeta acumula recordes de temperaturas e de concentração de gases do efeito estufa.

A omissão custa caro e não poupará ninguém.

Enchentes, secas e incêndios drenaram mais de 2 trilhões de dólares da economia global na última década, além das milhares de vidas humanas tragicamente perdidas nesses desastres.

O Acordo de Paris e todo o regime do clima estão sob ameaça.

Na COP de Belém, os líderes mundiais terão o imperativo de equacionar ambição e financiamento no enfrentamento à crise climática.

Apenas 17 países dos 198 países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima apresentaram novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) – incluindo Brasil e Emirados Árabes Unidos.

O BRICS tem a força política necessária para mobilizar resultados ambiciosos para a COP-30, garantindo que o crescimento econômico caminhe lado a lado com a justiça social e ambiental.

Promover uma resposta global, justa e responsável será a força-motriz da Agenda de Liderança Climática proposta pela presidência brasileira.

Quinto: Ao mesmo tempo em que oferece oportunidades extraordinárias, a Inteligência Artificial traz desafios éticos, sociais e econômicos.

Essa tecnologia não pode se tornar monopólio de poucos países e poucas empresas.

Grandes corporações não têm o direito de silenciar e desestabilizar nações inteiras com desinformação.

Mitigar os riscos e distribuir os benefícios da revolução digital é uma responsabilidade compartilhada.

O BRICS precisa tomar para si a tarefa de recolocar o Estado no centro dos debates para a construção de uma governança justa e equitativa, sob o amparo das Nações Unidas.

Qualquer tentativa de desenvolvimento econômico hoje passa pela Inteligência Artificial.

Não podemos permitir que a distribuição desigual dessa tecnologia deixe o Sul Global à margem.

O interesse público e a soberania digital devem prevalecer sobre a ganância corporativa.

Esse é o espírito da Declaração de Líderes sobre Governança da Inteligência Artificial para o Desenvolvimento que o Brasil proporá em sua presidência.

Sexto: Finalmente, o aumento da institucionalidade do BRICS é passo rumo à maturidade.

Embora a rápida ampliação do agrupamento, nos últimos dois anos, ateste nosso valor estratégico e seja extremamente positiva, temos o desafio de tornar a coordenação mais eficaz e ágil.

É preciso focar em métodos de trabalho que confiram mais eficiência às decisões e garantam que nossas ações tenham o maior impacto global possível.

Da mesma forma, o Pilar Social é garantia de que as sementes que plantamos frutificarão em nossas sociedades.

Não basta reunir líderes todos os anos se não somos capazes de escutar os anseios dos cidadãos.

Os grupos de engajamento envolvendo mulheres empreendedoras, empresários, jovens, parlamentares, sindicatos, acadêmicos e sociedade civil contarão com todo apoio da presidência brasileira.

Senhoras e senhores,

Estou convicto de que o BRICS seguirá sendo um motor de mudanças positivas para nossas nações e para o mundo.

Atuar de forma coordenada pelo sucesso da presidência sul-africana do G20 e da presidência brasileira da COP-30 é defender o futuro compartilhado neste planeta.

Teremos uma presidência intensa, que nos conduzirá a uma belíssima Cúpula de Chefes de Estado e de Governo, no Rio de Janeiro.

Cumpre fazermos jus ao lema escolhido: “Fortalecer a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.

Muito obrigado e boa sorte a todos os membros do BRICS.