BOLETIM DE RÁDIO BRICS BRASIL

Boletim BRICS Brasil #56 - Clima, saúde e IA são destaques da reunião da Cúpula de Líderes do BRICS, diz embaixador Mauricio Lyrio

Em entrevista exclusiva, Mauricio Lyrio, Sherpa da presidência do BRICS, detalhou os preparativos para a Cúpula de Líderes do BRICS, com acordos sobre financiamento climático, combate a doenças socialmente determinadas e regulamentação da Inteligência Artificial. Ele destacou ainda o esforço do Brasil para fortalecer a cooperação entre os países do Sul Global em meio a crises multilaterais. Ouça a entrevista completa e saiba mais.

Em entrevista exclusiva, o embaixador Mauricio Lyrio, Sherpa da presidência brasileira do BRICS, destacou os avanços nas negociações para a Cúpula de Líderes do bloco, marcada para os dias 6 e 7 de outubro. Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR
Em entrevista exclusiva, o embaixador Mauricio Lyrio, Sherpa da presidência brasileira do BRICS, destacou os avanços nas negociações para a Cúpula de Líderes do bloco, marcada para os dias 6 e 7 de outubro. Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR

Reportagem: Franciéli de Moraes | BRICS Brasil

Repórter: Embaixador, após o fim dessa reunião, quais são os destaques dos resultados e a expectativa para a reunião da Cúpula de Líderes?  

Mauricio Lyrio: Nós tivemos hoje mais uma rodada de negociação entre os Sherpas, para preparar as decisões dos presidentes para a Cúpula de Líderes, que é dia 6 e 7.  Eu acho que avançamos bem, em muitas decisões, além da declaração principal. Negociamos uma declaração, na área de saúde, sobre a eliminação de doenças socialmente determinadas, são doenças da pobreza. Estamos negociando uma declaração sobre inteligência artificial. É um tema hoje marcante na vida de todos, porque tem efeitos muito concretos na realidade de cada um. E também uma negociação sobre clima, porque um dos objetivos nossos é ter um BRICS que se empenhe pelo sucesso da COP no Brasil e pelo combate à mudança do clima. De forma geral, que seja um instrumento para a fortalecer o combate à mudança do clima, que diria ser um dos grandes desafios que a gente enfrenta hoje como comunidade internacional.

Repórter: Em vista da COP30, o senhor poderia detalhar um pouco mais o que será essa declaração e quais as expectativas de inserção dos países do Sul Global na conferência de novembro? 

Mauricio Lyrio: Sim, primeiro tem a questão do financiamento climático. Quando a gente fala em financiamento climático, é a necessidade de recursos para que os países possam fazer a transição energética. Porque um dos elementos centrais do combate à mudança do clima, é a utilização de fontes renováveis de energia. Esse é um tema forte na declaração, e a ideia geral de que se precisa ter mais recursos, inclusive dos países ricos, os que mais emitiram gases de efeito estufa, no financiamento da transição dos países que ainda não se desenvolveram plenamente. Então, esse é um esforço coletivo dos países do BRICS, para haver uma mobilização maior de recursos, para combater a mudança do clima.

Repórter: Outro objetivo da presidência brasileira do BRICS este ano era o fortalecimento  institucional do grupo. Quais foram os avanços e os debates nesse ponto? 

Mauricio Lyrio: Esse é um tema fundamental, porque hoje o BRICS tem uma nova composição. Até a Cúpula da África do Sul em 2023, eram cinco países. Com os novos membros desde então, foram acrescidos seis membros. É natural que a gente tenha de se adaptar à nova configuração do BRICS, como a questão da rotação das presidências. As presidências no BRICS são anuais. Então, a cada ano, um país assume; mas há novos países. A definição da nova lista e da nova ordem para a rotação entre as presidências é um dos temas que a gente tem trabalhado. Outra coisa é que, também, no ano passado, se juntaram o que a gente chama de “parceiros do BRICS”. Então, além dos 11 membros, há 9 parceiros.  É preciso definir, isso também é uma questão institucional importante, de que reuniões, que grupos esses parceiros participam, porque os membros, como membros plenos, participam de todas as reuniões; mas é preciso também abrir mais algumas reuniões e decisões para os parceiros. Esse é um tema que foi discutido, e eu espero que a gente tenha bons resultados.

Repórter: Além do fato de ser a primeira reunião que congrega então essa nova configuração do grupo 11 países membros, qual é a avaliação das maiores novidades da forma brasileira de presidir?

Mauricio Lyrio: Eu acho que uma marca das presidências brasileira, isso se aplica ao BRICS, se aplicou ao G20, é tentar trazer sistemas mais concretos e urgentes para a população, como o combate à fome e à pobreza, redução da desigualdade, políticas mais eficazes na área de saúde pública. É trazer esse tipo de tema para o centro das discussões internacionais, porque a gente tem nesses grupos (G20, BRICS) uma tendência, às vezes, a concentrar tensões exageradas na questão geopolítica. A questão geopolítica é muito importante, mas outras questões são tão ou mais urgentes quanto as questões geopolíticas, como promover o desenvolvimento social, econômico, a proteção ambiental. Então, o esforço brasileiro é trazer esses temas para o centro da agenda desses grandes grupos. Na presidência, a gente tem a possibilidade de fazer isso, como fizemos no G20, com o lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza; agora fazemos no BRICS, com o lançamento da Parceria para a eliminação das doenças que a gente chama as doenças da pobreza, tuberculose, hanseníase, doenças tropicais negligenciadas, como malária, dengue, febre-amarela. Então, é um esforço também de fazer com que esses países reúnam recursos e capacidades coletivas para enfrentar melhor essas questões.  

Repórter: O que é o Sul Global jogar junto?  E a importância disso em um momento de crise e de enfraquecimento do multilateralismo?  

Mauricio Lyrio: O Sul Global jogar junto é simplesmente os países reconhecerem que têm problemas, vamos dizer assim, parecidos, porque são países em desenvolvimento e atuarem de forma conjunta, para enfrentar esses problemas.  Esse exemplo na área de saúde, um exemplo bem claro. A maior parte da pesquisa médica, em termos de produção de vacina, medicamentos, terapias, se concentra, no mundo, no combate às doenças dos países mais ricos, porque são doenças que também atingem os países em desenvolvimento; mas há doenças no mundo em desenvolvimento, no mundo “menos rico”, que não são o centro das atenções e dos recursos da grande indústria farmacêutica internacional, dos grandes laboratórios, por exemplo. Então, jogar junto é: o Brasil tem uma capacidade de produção de vacinas muito significativa, a Índia, a China, a Rússia, em diferentes doenças, porque não então conjugar os esforços desses países para que essa capacidade dos diversos países seja utilizada pelos demais. É o jogar junto, na verdade, aproveitar as nossas capacidades em diversas áreas para que a gente tenha efeitos coletivos, conjuntos, ampliados, para favorecer a população de forma geral, inclusive na área de saúde.

Repórter: Como que esse jogar junto fortalece o multilateralismo?  

Mauricio Lyrio: Fortalece, porque, na verdade, o multilateralismo exige ação nas áreas que constituem o que chamamos de grandes desafios internacionais. Se você pensar: quais são os desafios do planeta?  Reduzir a pobreza, reduzir a desigualdade, combater a mudança do clima. Agora, para todos esses temas, você tem de agir de forma conjunta. É como se você tivesse, desculpe a imagem um pouquinho grosseira, uma crise em um prédio, porque a caixa d'água está vazando. Você tem de resolver, senão vai atingir todos os apartamentos. Qual é a solução? É agir individualmente? Ou a gente age de forma conjunta, porque aquele é um problema coletivo que exige uma solução também coletiva.  Quando a gente fala, o multilateralismo é importante, porque há questões do mundo que não se resolvem só com o país, que não podem ser resolvidas no âmbito de um território só e que exigem soluções coletivas. O multilateralismo, como a reunião de condomínio, você tem de resolver essas coisas. Todo mundo tem de pagar pelo conserto da caixa d’água, senão todos vão sofrer a inundação da água que vazará. No mundo, a gente precisa disso, porque os desafios são globais, por isso que o BRICS, como grupo muito representativo do mundo, praticamente metade da população mundial, tem um papel muito especial nesse fortalecimento do multilateralismo, porque, cooperando entre eles, os países do BRICS ajudam a cooperação mais ampla no mundo.

Repórter: Há alguma consideração final que você gostaria de fazer?

Mauricio Lyrio: Eu acho que a mensagem principal é essa: no momento de tantas crises internacionais, conflitos, a gente está vivendo uma sucessão de conflitos que só aumentam de ano para ano, ter um conjunto de países reafirmando o poder da diplomacia, da cooperação, da necessidade de atuar de forma conjunta, para resolver os problemas da população e não para gerar mais destruição, como os conflitos, é uma oportunidade que a gente sempre tem de aproveitar. Felizmente, é o Brasil que, mais uma vez, está na presidência desse grupo.