CIÊNCIA E TECNOLOGIA

BRICS avança em debate sobre acesso equitativo das tecnologias de informação ao espaço sideral

Temática foi considerada o "maior ganho" do grupo de trabalho, que produziu um anexo à Declaração de Ministros de Comunicações com considerações sobre a regulação internacional do recurso

Ministros das Comunicações do BRICS aprovaram a Declaração Ministerial e um anexo sobre sustentabilidade espacial, que foi o destaque das discussões do Grupo de Trabalho (GT) de Cooperação em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) - Fotos: Isabela Castilho / BRICS Brasil
Ministros das Comunicações do BRICS aprovaram a Declaração Ministerial e um anexo sobre sustentabilidade espacial, que foi o destaque das discussões do Grupo de Trabalho (GT) de Cooperação em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) - Fotos: Isabela Castilho / BRICS Brasil

Por Mayara Souto | BRICS Brasil

Com atenção especial à sustentabilidade do espaço sideral, os ministros das Comunicações do BRICS aprovaram, nesta segunda-feira, 2/6, a Declaração Ministerial de Cooperação em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Foi produzido, ainda, um anexo sobre a importância do acesso equitativo dos países ao espaço — que proporciona atividades de comunicação, exploração e observação científica. O encontro ocorreu no Palácio do Itamaraty, em Brasília (DF).

"É possivelmente o maior ganho da presidência brasileira, foi em sustentabilidade espacial. A sustentabilidade espacial tem várias dimensões e é internacionalmente coordenada por diferentes agências das Nações Unidas. No caso específico de telecomunicações, que é o uso de radiofrequências e ocupação de posições orbitais, a competência é da UIT, a União Internacional de Telecomunicações", iniciou o chair do GT de TICs, Daniel Cavalcanti, durante coletiva de imprensa.

"Há 40 anos a UIT faz uma regulação muito eficiente e muito bem sucedida nas chamadas órbitas geoestacionárias ou satélites geoestacionários. Antes se lançava um satélite geoestacionário um por um. E qual é a nova realidade dos últimos anos? Estão subindo constelações de satélites não geoestacionários às centenas. Às vezes um único foguete lança mais de uma centena de satélites não geoestacionários. E a realidade é que a UIT não tem um mandato tão escrito para a regulação desse ambiente específico de satélites não geoestacionários", acrescentou.

As órbitas geoestacionárias e não geoestacionárias se diferenciam pelo movimento em relação à Terra, o tempo em que orbitam o espaço e a altitude. As primeiras parecem estáticas, pois coincidem com a rotação da terra, com duração de 24 horas, e estão a uma distância específica do solo. Já as segundas são bem mais rápidas, podendo durar minutos, parecem se movimentar no céu e variam a altitude em que estão posicionadas. Ambos mecanismos são utilizados para a comunicação, internet, transmissão de TV e meteorologia. 

Um exemplo prático para entender a diferença entre as duas modalidades geoestacionárias, é a conhecida internet via satélite proposta pela Starlink, que é não geoestacionária. Como os satélites estão mais próximos da Terra, a conexão acaba sendo mais rápida. No entanto, a falta de regulação para esse tipo de satélite funcionar gera desigualdade no uso do espaço, que é considerado um recurso limitado. 

"O que o BRICS acordou é que queremos reforçar o papel da UIT na área de não geoestacionários e com um mandato bem específico, associado ao tema, para evitar o cenário de que esse bem comum, que é o espaço como ambiente para comunicações, seja ocupado na base do ‘leva quem chegar primeiro’. [Queremos] que isso se dê de maneira equitativa, organizada, que permita que todos se beneficiem desse recurso", detalhou Cavalcanti. 

“Queremos evitar o cenário de que esse bem comum, que é o espaço como ambiente para comunicações, seja ocupado na base do ‘leva quem chegar primeiro’”, disse o chair do GT de TICs, Daniel Cavalcanti
“Queremos evitar o cenário de que esse bem comum, que é o espaço como ambiente para comunicações, seja ocupado na base do ‘leva quem chegar primeiro’”, disse o chair do GT de TICs, Daniel Cavalcanti

O anexo acordado pelo BRICS sobre sustentabilidade espacial sugere que os países membros apoiem os esforços regulatórios internacionais da UIT e de outras organizações das Nações Unidas sobre o assunto, além de trocar informações sobre regulamentações nacionais e desenvolver em conjunto ferramentas e pesquisas, como, por exemplo, estudos utilizando Inteligência Artificial (IA) para otimizar a gestão de recursos de conectividade espacial. 

"Ter áreas geográficas claras pode ser um pouco difícil. É por isso que criar esse tipo de ideologias e diálogos cooperativos seria muito valioso. E todos os países estão fazendo isso. Há muita corrida espacial, muitos detritos espaciais estão acontecendo e há interferência nos sistemas de sinalização. Portanto, coordenar tudo isso se torna uma alta prioridade", comentou Pemmasani Chandra Sekhar, ministro das Comunicações da Índia, em entrevista exclusiva ao BRICS Brasil.

A questão financeira também foi apontada como central no que diz respeito às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) pela ministra de Comunicações interina, Sonia Faustino. "Os temas das tecnologias da informação e comunicação TICs, assim como os temas de digitais, no sentido mais amplo, são centrais à economia de hoje. Por isso mesmo, também estão no foco de muitos processos de negociação internacional em várias instâncias e diferentes fóruns, como tem sido a inteligência artificial e a segurança cibernética", apontou durante fala de abertura da reunião ministerial, realizada no Palácio do Itamaraty. 

Conectividade universal

Como herança das discussões da presidência brasileira à frente do G20, o GT de Comunicações detalhou mais ações para promover a "conectividade significativa". O termo é utilizado para nomear uma experiência online segura, satisfatória, produtiva e acessível para todos. 

"Então, lá no G20 nós concordamos em indicadores e começamos a medir. Então, cada país tem suas instituições estatísticas que coletam dados para conectividade. Mas o que nós destacamos é que há elementos adicionais, de conectividade significativa, que você tem que mensurar. E isso o Brasil faz com muita competência e o CETIC-BR é quem faz isso pelo Brasil", explicou o chair do GT de TICs. 

Esses indicadores mostram um "gap" entre a conectividade chamada "nominal" e o que ocorre de fato, a significativa. "Para além de qualidade, acessibilidade de preço, dispositivos adequados, segurança e habilidades digitais, para que a pessoa possa efetivamente participar dessa transformação digital, ela precisa desses elementos adicionais de conectividade significativa. Então, foi produzido um relatório. Ele faz uma radiografia de como cada um dos países está, mas com foco na aplicação dos indicadores de conectividade significativa no Brasil e para que isso sirva de espelho", disse ainda Cavalcanti. 

“O Brasil criou uma maneira específica de criar essa conectividade significativa, um mecanismo de pontuação baseado na qualidade do serviço, na acessibilidade e na disponibilidade do serviço”, apontou Pemmasani Chandra Sekhar, ministro das Comunicações da Índia
“O Brasil criou uma maneira específica de criar essa conectividade significativa, um mecanismo de pontuação baseado na qualidade do serviço, na acessibilidade e na disponibilidade do serviço”, apontou Pemmasani Chandra Sekhar, ministro das Comunicações da Índia

"Eu diria que a questão da conectividade significativa é particularmente importante, porque o Brasil criou uma maneira específica de criar essa conectividade significativa, um mecanismo de pontuação baseado na qualidade do serviço, na acessibilidade e na disponibilidade do serviço. Portanto, criar esse placar realmente leva a questão para o próximo nível", elogiou o ministro da Índia. Entre os pontos que devem ser levados em consideração para essa medição, segundo a Declaração, está a falta de financiamento e acessibilidade econômica.

Ampliação do debate

A Declaração dos Ministros de Comunicações também aprovou a criação de dois novos Grupos de Estudo relacionados às TICs: o Redes do Futuro e o Infraestrutura Digital Pública (DPI, na sigla em inglês). 

O primeiro foi proposto, também sob presidência brasileira do BRICS, ainda em 2019, com a intenção de manter contato e cooperação de pesquisa em telecomunicações entre os países do agrupamento. O Brasil designou o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD) como o responsável para esse assunto. No entanto, os outros países do grupo pediram mais tempo para avaliarem qual autarquia seria a mais indicada. Assim, somente neste ano, novamente sob presidência brasileira, foi concluído o novo mecanismo. 

Já o DPI trata de plataformas digitais públicas, como, por exemplo, o gov.br e também o PIX. Para esse GT a ideia é trocar experiências de implementação e também governança dos bens públicos digitais.