Conselho Popular do BRICS apresenta recomendações que serão entregues hoje aos chefes de Estado e governo
Na primeira reunião presencial da história, o Conselho aprofundou os debates em sete eixos prioritários aos interesses da sociedade civil do Sul Global. Também foi anunciado um segundo encontro para outubro, em Salvador (BA)

Por Franciéli Barcellos de Moraes / BRICS Brasil
Pela primeira vez o Conselho Popular do BRICS, reconhecido formalmente na Declaração de Kazan (2024), reuniu-se presencialmente. Um avanço institucional celebrado pelos povos das nações do Sul Global, que ganham, no escopo do principal fórum de cooperação de países em desenvolvimento, um canal permanente de diálogo entre governos e sociedade civil organizada dos países membros e parceiros.
A sessão, realizada nos dias 4 e 5 de julho, no Rio de Janeiro (RJ), foi um desdobramento de fóruns civis que ocorrem desde 2015 e que, ao completarem uma década de atividades, foram formalizados como instância do pilar People-to-People (P2P) do BRICS. Nos meses anteriores à reunião presencial, os encontros foram online, e participaram destes mais de 120 organizações sociais dos países do grupo. Ao final dos dois dias de debate, foi aprovado um Caderno de Recomendações com foco em sete pontos: saúde, educação, ecologia, cultura, finanças, soberania digital e arcabouço institucional do grupo.
O Caderno, que pode ser lido na íntegra aqui, será entregue aos chefes de Estado e governo hoje (6), na Cúpula de Líderes, em mais um ineditismo da condução brasileira do BRICS. Em abril, a sociedade civil já havia conquistado outro feito inédito neste caminho, de maior incisão nos rumos dos debates formais do grupo, ao sentar à mesa com os sherpas, negociadores políticos dos países membros.
“O que vamos dizer a eles é que a cooperação tem que passar necessariamente por organizações da sociedade civil. Porque os governos vão aproveitar da grande política, os grandes temas da conjuntura, porém, nós precisamos construir canais mais concretos de cooperação tecnológica, de cooperação cultural, e isso só poderá ser feito pelos povos”, indicou João Pedro Stédile, liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), representante do Brasil no Conselho.
"Os governos vão aproveitar da grande política, os grandes temas da conjuntura, porém, nós precisamos construir canais mais concretos de cooperação tecnológica, de cooperação cultural, e isso só poderá ser feito pelos povos"
— JOÃO PEDRO STÉDILE, liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
“É o engajamento civil, o envolvimento popular, que dá sustentação a todos os debates. Isso é, de fato, um produto muito importante do nosso tempo, um verdadeiro filho do nosso esforço coletivo”, comemorou Victoria Panova, representante russa do Conselho, que também fez questão de recordar que a institucionalização do mecanismo, apesar de ter se dado durante a presidência da Rússia, foi fruto de um desejo e esforço genuíno das sociedades de todos os países.
O Brasil não poderia ser o melhor cenário para este encontro, uma vez que a integração entre governos e movimentos em ritos internacionais vem se consolidando como uma marca da diplomacia brasileira sob o olhar do presidente Lula. No último ano, o Governo Federal realizou, com participação de quase 50 mil pessoas, o G20 Social, antecedendo a Cúpula de Líderes das principais economias do mundo.
Fato relembrado pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR), Márcio Macedo, na abertura da sessão do Conselho, na sexta-feira (4). “Não acredito em nada que é feito sozinho. É o povo que conhece a realidade e sabe do que precisa. Assim, podemos construir políticas públicas efetivas. Que este Conselho possa dialogar com a Cúpula dos BRICS, como já realizamos com sucesso no G20 Social”, disse.
Além do ministro da SGPR, o Ministério da Fazenda também esteve representado, na figura do subsecretário de Finanças Internacionais e Cooperação Econômica, Antonio Cottas, que reforçou a pauta de taxação dos super-ricos como agenda nacional e internacional sob coordenação do Brasil.
Próximos passos
Foi confirmado que, em outubro, ocorrerá mais uma etapa de encontro presencial da sociedade civil do BRICS, ainda sob a presidência brasileira, com o objetivo de qualificar e aprofundar os debates após a divulgação dos resultados da Cúpula de Líderes. Os movimentos populares brasileiros propuseram e estão organizando uma conferência ampliada, com duração de três dias, a ser realizada em Salvador (BA).
A ideia é reunir entre 250 e 300 participantes, incluindo cerca de 10 a 15 delegados por país membro, além de representantes de outras nações e organizações interessadas no processo. A intenção é fortalecer a articulação entre os povos dos países do Sul Global e viabilizar ações práticas de cooperação, protagonizadas pela sociedade civil e seus movimentos.
Confira o sumário executivo dos sete eixos do Caderno:
BRICS e a Construção de um Regime Global de Saúde Pública
Delineia uma estratégia abrangente para promover a equidade em saúde, fortalecer os sistemas de saúde pública e fomentar a cooperação entre os países do grupo. O documento enfatiza que a saúde é um direito humano fundamental e destaca a necessidade de respostas sistêmicas que abordem os determinantes sociais das doenças, protejam as populações vulneráveis e priorizem a prevenção e a dignidade no atendimento.
Estratégias não ocidentais para a educação nos países BRICS
Apresenta uma visão para a construção de estratégias educacionais não ocidentais, inclusivas e centradas nas pessoas, que afirmem a soberania, a diversidade e a cooperação das nações do grupo. Reconhecendo a educação como um direito universal e um campo estratégico para a cooperação internacional, o documento descreve reformas estruturais para resistir à mercantilização, fortalecer os sistemas públicos e aprimorar a governança democrática na educação em todo o Sul Global.
Crise Ambiental, Justiça Climática e Alternativas para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos do Sul Global
Diante da escalada das crises ambientais, das tensões geopolíticas e do enfraquecimento dos compromissos climáticos globais, as recomendações estratégicas são destinadas a promover a justiça climática e o desenvolvimento sustentável impulsionados pelo e para o Sul Global. O documento articula uma agenda ecológica centrada nas pessoas, enraizada na equidade social, na integridade ambiental e na cooperação internacional entre os países do BRICS.
Cultura e Arte para a Integração dos BRICS
Afirma que a cooperação cultural é vital para o fortalecimento do BRICS, promovendo a multipolaridade e fomentando o entendimento mútuo entre suas diversas sociedades. Fundamentado em valores anticoloniais, diversidade cultural e justiça social, o documento apresenta um conjunto abrangente de propostas para promover a integração cultural, a colaboração artística, a preservação do patrimônio e o desenvolvimento inclusivo entre os países do grupo.
Sistema Financeiro e Monetário na Multipolaridade
Apresenta uma estrutura estratégica para reestruturar a arquitetura financeira global sob a perspectiva do Sul Global. As propostas visam promover o desenvolvimento soberano, inclusivo e sustentável para os países do BRICS, transcendendo os modelos tradicionais de mercado e respondendo a desafios humanos, sociais, ambientais e financeiros urgentes. As recomendações abrangem tributação internacional, comércio, política monetária, cooperação financeira, tecnologia e reformas institucionais.
Economia Digital, Soberania Digital, Inteligência Artificial e Governança
Indica um arcabouço estratégico para a soberania digital, a governança inclusiva da inteligência artificial (IA) e uma economia digital centrada nas pessoas. Reconhecendo a crescente concentração de poder tecnológico e as desigualdades globais no desenvolvimento digital, defende a cooperação entre os países do BRICS para garantir uma transformação digital justa, segura e autônoma, alinhada à justiça social e aos direitos humanos.
BRICS, sua Institucionalidade e Respeito à Soberania para a Paz Mundial
Dá uma visão estratégica para o fortalecimento da paz mundial, da soberania e da reforma institucional no âmbito do agrupamento. O documento defende uma ordem global multipolar baseada na autodeterminação dos povos, na governança democrática e na participação inclusiva. À medida que o BRICS se expande, ele deve desenvolver estruturas mais fortes para manter a coerência, a transparência e a coordenação eficaz, ao mesmo tempo em que acolhe a diversidade e resiste à coerção externa.