Contribuição dos think tanks pode reforçar o multilateralismo no BRICS, indica presidenta do IPEA
Em entrevista exclusiva, Luciana Servo, presidenta do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, apresentou os destaques do relatório de recomendações dos think tanks entregue ao embaixador Mauricio Lyrio.

Por Franciéli Barcellos de Moraes | francieli.moraes@presidencia.gov.br
Com contribuições vinculadas aos seis eixos prioritários da presidência brasileira do BRICS, a coordenação do Conselho de Think Tanks do BRICS (BTTC) entregou, nesta terça-feira (8), o documento de recomendações alinhadas às melhores práticas e evidências ao sherpa brasileiro, o embaixador Mauricio Lyrio.
Em reunião em Brasília (DF), Luciana Servo, presidenta do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que coordena o Conselho, apresentou o relatório fruto de elaborações construídas ao longo do primeiro trimestre do ano. O BTTC promove a troca de ideias entre pesquisadores, acadêmicos e centros de pesquisa por soluções nas várias áreas de debate do agrupamento. No pilar People to People (P2P), a representação dos institutos de pesquisa foi a primeira a realizar a entrega.
Em fevereiro, o IPEA, que neste ano coordena tanto o BTTC quanto a Rede de Think Tanks de Finanças dos BRICS (BTTNF), reuniu mais de 40 especialistas para cinco oficinas temáticas, nas quais se consolidaram as recomendações.
Em entrevista exclusiva ao BRICS Brasil, Luciana Servo comentou os destaques do relatório, o histórico de atuação dos institutos de pesquisa junto ao agrupamento, a participação dos novos países membros nas discussões e as próximas agendas no escopo de think tanks até a data da Cúpula de Líderes, em julho. Confira:
De início, a quem não tem familiaridade com o tema, como a gente pode definir o que são think tanks?
"Qual é a grande vantagem? Os think tanks não são decisores de políticas públicas. Então, em um momento de geopolítica complexo, reunir instituições que tem por base o conhecimento e ao mesmo tempo tem possibilidade de dialogar com seus governos, ajuda a que esses governos estabeleçam diálogos mais consequentes entre eles."
Eu vou pegar pelo próprio IPEA, que é uma instituição que faz parte da estrutura do governo brasileiro e a sua função é produzir conhecimento, pesquisas, estudos para apoiar as decisões do Estado brasileiro. Junto com isso, você começa a produzir essas evidências para basear políticas públicas.
Então, a maioria dos think tanks do mundo, governamentais ou não, eles vão fazer essa função, de produzir conhecimento, trabalhar diálogos em torno de temas relevantes e estratégicos para apoiar os seus governos, tanto nas políticas nacionais, quanto nas discussões internacionais. São instituições, em geral de pesquisa, que trabalham a partir dessa elaboração de evidências, mas que, ao contrário de uma instituição de pesquisa clássica, tem essa função de diálogo com políticas públicas e decisões estratégicas, seja dentro do país, seja em diálogo, por exemplo, com o setor privado e outras instâncias decisórias.
O IPEA esse ano preside tanto o Conselho (BTTC) quanto a Rede de Think Tanks de Finanças do BRICS (BTTNF). Como esses mecanismos se diferenciam e em que ponto os trabalhos se encontram?
O BTTC é um conselho mais amplo, ele trabalha vários temas e é o primeiro a surgir, se reunindo desde 2013 para discutir recomendações a serem levadas para a presidência do BRICS. O Conselho se relaciona com quem chamamos de sherpas. Para quem esteve no G20, a gente também teve uma trilha sherpa, liderada pelo Itamaraty, e esse ano é a mesma coisa.
Já o BTTNF é um mecanismo muito recente. Ele foi proposto há pouco tempo, durante a presidência da China em 2022, e a primeira vez que está se reunindo de fato é neste ano, para discutir temas mais focados na economia e em finanças. Neste ano, estamos discutindo quais vão ser os mecanismos de trabalho, em um diálogo mais próximo com o Ministério da Fazenda e com o Banco Central, para também produzir insumos, nesse caso, mais estudos que propriamente recomendações.
Uma vez que o mecanismo comece a funcionar, a tendência é que ele também passe a funcionar como BTTC, que as reuniões passem a ser anuais e que em algum momento ele também possa fazer recomendações na discussão de finanças.

Nós estamos fazendo essa conversa logo após a senhora entregar ao embaixador Mauricio Lyrio o relatório de contribuições do Conselho. Qual destaque das recomendações recebidas pelo sherpa?
Eu acho que a gente teve entregas muito efetivas, inclusive passíveis de implementação. O BRICS tem alguns mecanismos que já vem sendo propostos há muito tempo e, ao se tornarem efetivos, reforçam agendas no nosso país. Exemplo, a agenda de saúde global, que é uma agenda muito importante não só desde a pandemia, quando ficou muito evidente, mas com possibilidade de operação para o desenvolvimento desse grupo de países e para a própria agenda multilateral.
Então, quando a gente está discutindo como trazer a agenda digital para uso na área de saúde, nas políticas públicas, nas plataformas de investimento, a gente está tentando trazer mecanismos concretos, recomendações que podem ser concretizadas em ações no Brasil, mas principalmente na cooperação entre esses países.
E como foi o processo de construção deste documento?
A primeira coisa que a gente tem que destacar é o fato de que apesar da presidência brasileira do BRICS durar um ano, a entrega do documento agora em abril acontece para que ele possa subsidiar as discussões da Reunião de Líderes, em julho. Nesse sentido, uma coisa fundamental é como conseguir construir consensos rapidamente entre esses think tanks, a fim de produzir essas recomendações em um prazo muito curto. Então, esse é um destaque.
Nós conseguimos fazer dois momentos. Primeiramente, o IPEA liderou uma discussão com instituições de pesquisa nacionais que conhecem o BRICS e entendem os temas prioritários da presidência brasileira para produzir um documento inicial, que foi base para negociação com dos think tanks que compõem o BTTC.
A partir disso, entramos no segundo momento, de diálogo e construção de consensos com os outros seis think tanks do Conselho. E esse processo foi muito rico, já de início, porque houve uma aceitação grande do primeiro documento que foi entregue, então entramos apenas com refinamentos. Conseguimos chegar a recomendações muito densas e importantes. Somos o primeiro grupo a realizar essa entrega, que vai subsidiar os diálogos que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil vai fazer com os outros sherpas.
Você comentou que outros seis institutos participam do Conselho, como se dá a entrada neste instrumento formal de think tanks do BRICS?
Os think tanks, assim como o IPEA, são indicados pelos seus governos. Mas, apesar disso, a ideia é que esses think tanks tenham autonomia para discutir as recomendações, fazerem estudos e entrarem em diálogos. Esse processo, inclusive, agora com os novos países, passa por pensar quem são os think tanks que vão ingressar.
Esse é o primeiro ano em que o Brasil preside o BRICS após essa expansão do grupo, com novos países membros e países parceiros. Você poderia explicar com mais detalhes como o IPEA trabalhou em relação a essas novas representações?
Assim, a primeira coisa que você faz quando tem um membro que acabou de chegar em qualquer lugar é mostrar para ele o ambiente, é introduzir ele ao mecanismo. Então, um dos papéis da IPEA foi esse, apresentar para esses países, junto com os outros think tanks, o funcionamento do BTTC. Até o momento, os países que já indicaram e participaram foram Irã e Etiópia. Eles chegam e são apresentados ao processo de funcionamento, de como se espera que seja feito o diálogo. Uma vez feito, eles são membros, então passam a fazer parte da discussão assim como os países que já compõem há mais tempo. A Etiópia participou de todo o processo de negociação e o Irã enviou recomendações. É um processo de interação que vai sendo construído ao longo do tempo.
Com mais de dez anos de Conselho e encontro setorial registrado desde a segunda Cúpula, quando o grupo ainda era BRIC, os mecanismos de encontro de think tanks são um dos mais estruturados no pilar People to People, de participação social do BRICS. Ao que se deve a manutenção de uma inserção tão qualitativa na agenda do grupo?
O BTTC, na sua agenda, organiza o Fórum Acadêmico do BRICS (FABRICS), uma instância em que especialistas vão discutir mecanismos e questões estratégicas nos países do BRICS. Porém, antes mesmo do grupo existir, já existiam diálogos na área de relações diplomáticas e esse foro de especialistas. Só no ano seguinte é que se começa a ter um BRICS formalmente constituído. Então, já tinha uma experiência de colocar especialistas para dialogar e aportar conhecimento ao tema.
Era natural que algum tempo depois se formalizasse esse mecanismo, de chamar essas instituições para prover e informar, com conhecimento sobre políticas públicas, os processos de negociação. Qual é a grande vantagem? Os think tanks não são decisores de políticas públicas. Então, em um momento de geopolítica complexo, reunir instituições que tem por base o conhecimento e ao mesmo tempo tem possibilidade de dialogar com seus governos, ajuda a que esses governos estabeleçam diálogos mais consequentes entre eles.
É um processo muito relevante de manutenção, de um histórico, mesmo com todas as mudanças geopolíticas e mudanças de governos. Esses think tanks vão mantendo a memória do processo e vão ajudando aos próprios países, as suas diplomacias, aos seus gestores, as suas presidências, porque já estabeleceram mecanismos de diálogo prévio entre si.

Uma vez entregue o relatório, quais outras agendas de promoção do IPEA no BRICS devem acontecer até a Cúpula de Líderes, em julho?
Teremos a reunião do FABRICS, que vai acontecer em Brasília nos dias 25 e 26 de junho. Nesse fórum acadêmico participam tanto os think tanks que compõem o BTTC quanto o BTTNF, dando continuidade às discussões de interesse da agenda do BRICS.
Neste momento, a gente constrói também discussões com outras instituições de governo, com as instituições acadêmicas, com instituições que os outros think tanks trazem para o Brasil e assim se forma uma rede maior. É um momento de trazer outras institucionalidades, outros especialistas, outros representantes para um diálogo em torno do BRICS.
Então, é um momento não só de diálogo sobre as recomendações já geradas, mas de produção e ampliação de conhecimentos sobre o grupo. Além disso, a gente tem uma série de agendas de continuidade de discussões dos mecanismos, discussões da governança, discussão sobre outros fóruns que estão acontecendo, como a própria COP30, aprofundar qual a interação do BRICS com a Conferência.
Ao fim, devemos também seguir trabalhando no que a gente chama de estratégias de implementação para algumas das recomendações que foram feitas, pois apesar de terem sido entregues agora, o diálogo continua.
No fim do mês acontecerá, no Rio de Janeiro, a segunda Reunião de Sherpas, que de forma inédita, replicando um feito do G20, contará com a participação da sociedade civil. Qual a importância para os institutos de pesquisa de um momento como esse, de sentar-se à mesa junto aos sherpas?
Sim, no dia 24 de abril o IPEA estará lá representando os think tanks. E eu acho que esse é um momento muito relevante, em que se faz uma entrega não à presidência brasileira, como a gente fez aqui, mas para todos os representantes dos demais países do BRICS. Um momento de ampliar a incidência dessas instituições junto aos sherpas.
Mas mais que isso, nós, durante o G20, aprendemos que esse é também um processo de criar mais legitimidade nesses foros. Se você traz os vários mecanismos, as várias instituições, os vários grupos, aportando para o diálogo, você demonstra que eles podem internalizar essa agenda nos seus países para algo maior do que está acontecendo naquele momento.
"Durante o G20, aprendemos que esse é também um processo de criar mais legitimidade nesses foros. Se você traz os vários mecanismos, as várias instituições, os vários grupos, aportando para o diálogo, você demonstra que eles podem internalizar essa agenda nos seus países para algo maior do que está acontecendo naquele momento."
Então, tem um processo que estou chamando de conhecimento e legitimação do BRICS, não necessariamente de uma presidência ou de outra, mas de como isso, de fato, é um processo importante para nosso país. É um momento de diálogo muito relevante, que qualifica o debate entre os grupos da sociedade civil, mas também qualifica o debate dos sherpas.
Por fim, há algo que não abordamos e a senhora considere importante colocar tanto sobre o trabalho dos think tanks quanto sobre o papel do BRICS como voz do Sul Global?
Eu acho que a gente está vivendo alguns momentos de questionamento do sistema multilateral. O Brasil sempre reforça que a discussão no mundo tem que ser buscar a equidade de participação, reforçar o sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), reforçar o sistema multilateral, e o BRICS como grupo vem reforçar essa discussão multilateral, e não ser uma discussão à parte.
Isso acho que é muito concreto nas discussões do BRICS, algo que veio também na discussão do G20, que são grupos que não substituem o sistema multilateral, ao contrário, ao fazerem essas discussões avançam, reforçando que a agenda do multilateralismo continua central. Porque a tendência para esses confrontos que a gente está vendo agora, principalmente na área de comércio bilateral, sempre existiram. E é para isso que há os mecanismos multilaterais, eles são os mecanismos de mediação. Se a gente não reforçar esses mecanismos, a gente entra em vários processos de disputa sem mediador.
Então, o sistema multilateral é fundamental, o sistema de grupos ajuda essas agendas e cria consensos, e eu acho que o BTTC e o BTTNF são um espaço a mais para ajudar nesse processo.