Cultura e clima: BRICS amplia cooperação e destaca papel do setor cultural como motor do desenvolvimento sustentável
Ministros do BRICS ampliam alianças culturais como pilar para desenvolvimento sustentável, defendem a repatriação de bens culturais, economia criativa e ações culturais frente à crise climática

Por Leandro Molina / BRICS Brasil
A 10ª Reunião dos Ministros e Ministras da Cultura do BRICS, realizada nesta segunda-feira (26) no Palácio Itamaraty, em Brasília, marcou um novo capítulo na cooperação cultural entre os países do grupo com a aprovação de uma declaração conjunta que reforça o papel da cultura como alicerce para uma governança global mais inclusiva, sustentável e multipolar. O documento, intitulado "Declaração de Brasília", reflete os consensos alcançados pelos países-membros do BRICS – e a recém-incorporada Indonésia – e estabelece diretrizes ambiciosas para os próximos anos, abrangendo desde a economia criativa até a proteção do patrimônio cultural frente à mudança do clima.
A ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, anfitriã do evento, abriu os trabalhos destacando o simbolismo do encontro ocorrer em Brasília, cidade Patrimônio Mundial da UNESCO, e ressaltou a importância do momento geopolítico. "O BRICS não é apenas um agrupamento econômico, mas uma plataforma de diálogo que valoriza a diversidade cultural como força motriz para um desenvolvimento mais justo e equilibrado", afirmou. Ela lembrou que, sob o comando do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil tem trabalhado para fortalecer o multilateralismo, citando a recente liderança no G20, a presidência do BRICS em 2025 e a preparação para sediar a COP30 em novembro.
A reunião reafirmou o espírito do BRICS de consenso, respeito mútuo e solidariedade, alinhado com os compromissos firmados desde a assinatura do Acordo sobre Cooperação no Campo da Cultura, em 2015, e renovado no Plano de Ação 2022-2026. O documento enfatiza a necessidade de um diálogo constante e ampliado entre os membros do BRICS e outros países do Sul Global, com vistas a fortalecer a diversidade cultural como base para o desenvolvimento sustentável. Os ministros reiteraram o papel da cultura como um motor de crescimento econômico, inovação e coesão social. Também foi destacado o valor intrínseco da cultura frente aos desafios e oportunidades trazidos pelas tecnologias da informação e comunicação (TICs), especialmente com o avanço das ferramentas de inteligência artificial (IA).
Entre os compromissos assumidos, figura a criação de uma plataforma BRICS sobre indústrias culturais e criativas, dentro do Grupo de Trabalho sobre Cultura do grupo. Esta iniciativa busca promover o intercâmbio de artistas, o desenvolvimento de projetos conjuntos e a disseminação de conteúdos culturais, com apoio, inclusive, do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). A declaração reconhece que o setor cultural e criativo representa um componente estratégico na geração de emprego, renda e habilidades inovadoras, além de impulsionar a economia dos países-membros.
Documento enfatiza a necessidade de um diálogo constante e ampliado entre os membros do BRICS e outros países do Sul Global, com vistas a fortalecer a diversidade cultural como base para o desenvolvimento sustentável. Os ministros reiteraram o papel da cultura como um motor de crescimento econômico, inovação e coesão social
A governança da inteligência artificial foi outro tema central. O documento reafirma a necessidade de que a IA seja ética, segura, inclusiva e orientada para o desenvolvimento, respeitando a legislação nacional e internacional, os direitos humanos e a diversidade cultural e linguística. Nesse sentido, os ministros enfatizaram a importância de que os conjuntos de dados usados no treinamento de modelos de IA, incluindo os de linguagem, reflitam e preservem essa diversidade. Além disso, defenderam um ambiente digital justo, que remunere adequadamente criadores, artistas e detentores de direitos autorais, garantindo a proteção da propriedade intelectual e a liberdade artística.
A questão da repatriação de bens culturais roubados ou levados de seus países de origem em contextos coloniais e de conflito também ocupou lugar de destaque na declaração. Os ministros reafirmaram que a devolução desses acervos é um imperativo moral e uma condição para a justiça histórica. O Brasil anunciou que sediará, ainda em 2025, um seminário internacional sobre o tema, reunindo especialistas, governos e sociedade civil para avançar em diretrizes comuns. "A restituição não é apenas um ato simbólico, mas um passo fundamental para a reconstrução da memória coletiva de povos que tiveram seus patrimônios saqueados", disse a ministra Margareth.

Em meio aos debates sobre cooperação cultural no BRICS, o ministro de Esportes, Artes e Cultura da África do Sul, Gayton McKenzie, destacou a importância da restituição de bens culturais. Para ele, a devolução de artefatos saqueados durante períodos coloniais transcende a dimensão financeira, sendo um imperativo de dignidade e justiça histórica. O posicionamento do ministro reflete a crescente articulação entre os países do Sul Global em torno da defesa de seus patrimônios culturais e do fortalecimento de suas economias criativas, temas que ganham protagonismo na agenda do BRICS. “A razão pela qual isso é importante para nós não se limita ao aspecto financeiro de trazer de volta os artefatos e os bens roubados de nosso país. Tem a ver com dignidade”, afirmou.
Outro aspecto relevante da declaração foi o reconhecimento da cultura como um elemento fundamental na agenda global de desenvolvimento sustentável. Os ministros afirmaram o compromisso de trabalhar pela inclusão da cultura como uma meta autônoma na futura Agenda de Desenvolvimento Pós-2030, em consonância com os princípios da Conferência Mundial da UNESCO sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável (MONDIACULT 2022). A relação entre cultura e mudança do clima foi igualmente destacada. Os países do BRICS comprometeram-se a proteger o patrimônio cultural dos riscos associados ao clima, desenvolvendo estratégias adaptativas que considerem os conhecimentos tradicionais e sistemas locais de saber. Ainda neste tema, os ministros instaram os países desenvolvidos a cumprirem com seus compromissos de financiamento climático, especialmente no que se refere à preservação do patrimônio cultural dos países em desenvolvimento.
A proteção do conhecimento tradicional e das expressões culturais tradicionais também foi objeto de atenção. Os participantes clamaram pelo fortalecimento da proteção jurídica internacional desses saberes, destacando a importância das discussões em curso na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre o tema.
O fortalecimento dos laços culturais entre os países do BRICS também se materializará por meio da realização de festivais e alianças culturais. O Brasil anunciou a realização, no segundo semestre de 2025, do Festival de Cinema do BRICS, que reunirá produções cinematográficas nacionais dos países-membros, promovendo o intercâmbio cultural, a compreensão mútua e oportunidades de negócios no setor audiovisual. Além disso, os ministros incentivaram a formulação de um calendário permanente de eventos culturais e patrimoniais, que fortaleça as conexões entre os povos do BRICS.

Ao final, a declaração reafirma a visão compartilhada de que a cultura é não apenas um elemento essencial para o fortalecimento das identidades nacionais, mas também um instrumento para o desenvolvimento econômico, a promoção da sustentabilidade ambiental e a construção de um mundo mais justo e inclusivo. Nesse sentido, os ministros da Cultura do BRICS renovaram o compromisso de aprofundar a cooperação cultural e de articular posições comuns em fóruns multilaterais, valorizando sempre as perspectivas do Sul Global e a pluralidade de caminhos para o desenvolvimento sustentável.
Durante a reunião, o embaixador Laudemar Gonçalves de Aguiar Neto, secretário de Promoção Comercial, Ciência, Tecnologia, Inovação e Cultura do Itamaraty, reforçou a visão do BRICS como um agente transformador da ordem global. "Não estamos aqui apenas para nos integrar ao sistema internacional, mas para contribuir com uma nova governança, mais representativa do Sul Global", declarou. Ele destacou a economia criativa como vetor de inclusão social e defendeu que a cultura seja reconhecida como o "quarto pilar" do desenvolvimento sustentável, ao lado das dimensões econômica, social e ambiental.
Como encaminhamentos concretos, além do Festival de Cinema do BRICS previsto para o segundo semestre de 2025, os países acordaram a elaboração de um guia de boas práticas para proteção de direitos autorais no ambiente digital e a ampliação das alianças setoriais já existentes, como as redes de museus, bibliotecas e escolas de cinema do grupo. A declaração será formalmente apresentada na Cúpula de Líderes do BRICS em julho, onde os presidentes e primeiros-ministros dos países-membros deverão endossar as diretrizes aprovadas pelos ministros da Cultura.
Ao encerrar a reunião, a ministra Margareth Menezes celebrou o espírito colaborativo que marcou os debates. "Esta declaração é a prova de que, quando unimos nossas vozes, a cultura pode ser uma força poderosa para a paz, a justiça e a transformação social", concluiu. O encontro deixou nítido que, em um mundo marcado por crises múltiplas, o BRICS aposta na diversidade cultural não como diferença a ser superada, mas como alicerce para um futuro compartilhado.