CULTURA

Direitos autorais na era digital com IA é prioridade da Cultura do BRICS

Bruno Melo, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Cultura, afirma que três prioridades da presidência brasileira para o grupo tiveram boa recepção pelos países do agrupamento

A reunião foi sediada de Brasília (DF). Foto: Rafa Nedderemeyer/BRICS Brasil
A reunião foi sediada de Brasília (DF). Foto: Rafa Nedderemeyer/BRICS Brasil

Por Mayara Souto | mayara.souto@presidencia.gov.br

Na era em que imagens, vídeos e áudios podem ser replicados na internet, em segundos, e tomar proporções mundiais, é um desafio manter o vínculo entre autor ou autora com um conteúdo. Essa é uma preocupação especial para artistas e autores, que vêem seu trabalho se espalhar, muitas vezes, sem receber os direitos autorais da obra. A questão foi escolhida pela presidência brasileira do BRICS para estar entre as prioridades de discussão do Grupo de Trabalho (GT) de Cultura, que teve a primeira reunião técnica virtual nesta semana, coordenada pelo Ministério da Cultura (MinC). 

“Nossa bandeira é de avançar na construção de mecanismos regulatórios dentro da área de direitos autorais digital”, explicou Bruno Melo, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do MinC e coordenador do GT. De acordo com ele, o assunto é debatido desde a presidência brasileira do G20, no ano passado, e segue em destaque. “Esperamos, dentro do Brics, construir um posicionamento mais forte, que seja um pouco a voz do Sul Global neste tema”, apontou. 

Melo também afirmou que os países do agrupamento possuem muitas “similaridades” na preocupação com a regulação digital. “Temos uma convergência grande entre os países do BRICS nessas pautas mais caras às nossas economias. Sabemos que, no ambiente digital, boa parte das big techs estão em países desenvolvidos. Então, há uma disputa por espaço e luta por uma regulação mais justa do ambiente digital”, refletiu. 

O objetivo de realizar a regulação das plataformas digitais considerando os direitos autorais, segundo o coordenador, é chegar a uma “remuneração justa e equitativa”. “A forma com que as plataformas digitais operam são, de alguma maneira, predatórias, do ponto de vista de remuneração. Os artistas e autores acabam não recebendo quando se aplica uma tecnologia de Inteligência Artificial (IA) para replicar uma voz, por exemplo”, detalhou. 

Como resultado dessa discussão, o GT deverá criar um catálogo de melhores práticas de proteção dos direitos autorais dentro do ambiente digital. Para Melo, o Brasil possui uma experiência que pode ser levada à mesa como exemplo. “Algumas legislações estão sendo discutidas no Congresso Nacional sobre IA e também direitos autorais”, comentou. 

Aprovada em dezembro pelo Senado Federal, o Projeto de Lei 2338/23, que regulamenta a inteligência artificial no Brasil, está na Câmara dos Deputados para ser debatido. O texto prevê, entre outros tópicos, a proteção de conteúdos com direitos autorais de IA. Eles poderão ser utilizados somente por instituições de pesquisa, jornalismo, museus, bibliotecas, e não podem ter fim comercial. Caso alguma obra seja utilizada por uma IA, o titular deverá receber remuneração. 

A governança em tempos de IA é uma das seis áreas prioritárias do BRICS sob a presidência brasileira. O foro debaterá como promover uma governança internacional inclusiva e responsável com a inteligência artificial, a fim de destravar o potencial dessa tecnologia para o desenvolvimento social, econômico e ambiental. 

Dentro do GT de Cultura, o assunto faz parte do primeiro dos três eixos prioritários, de Cultura e Economia Criativa, Direitos Autorais e Inteligência Artificial, além de Cultura, Mudanças Climáticas e Agenda de Desenvolvimento Pós-2030 e o Retorno de Bens Culturais.

“Cultura é parte da solução”

A segunda prioridade apresentada pelo coordenador do GT de Cultura do BRICS, Bruno Melo, é a de incluir a cultura no debate das mudanças do clima e instigar esse debate no Sul Global. “Existe uma consciência de que a cultura é tanto parte do problema da mudança do clima, quanto parte da solução. O Brasil entende que a cultura tem um papel crucial na mudança de padrões de comportamento e influencia uma mudança mais profunda nas sociedades, com a conscientização e mobilização”, comentou. 

“Essa é uma decisão que tem ligação direta com dois grandes movimentos, um é a Conferência Mundial de Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável da Unesco, que vai acontecer na Espanha, no final do ano e também a própria COP30, que vai ser realizada no Brasil. A ideia é a gente conectar o grupo dos países do Brics às discussões internacionais que estão sendo feitas”, explicou ainda Melo. 

Um debate dentro do GT é o entendimento de que a proteção do patrimônio é uma prática sustentável. “Para nós, no Brasil, o mais claro foram as enchentes no Rio Grande do Sul, no ano passado, onde boa parte do patrimônio cultural do estado ficou submerso ou foi atingido indiretamente. Isso tem um custo não só material, mas também impacto mais profundo porque, às vezes, são memórias apagadas, como em sítios arqueológicos, por exemplo”, explicou o coordenador. 

“Outra questão é que práticas sustentáveis, cujos detentores são as comunidades tradicionais, os povos indígenas, dos países que têm práticas milenares, que tem característica sustentável bastante importante. Isso tem se tornado cada vez mais uma força que os países em desenvolvimento têm, com diversidade cultural e étnica bastante importante”, acrescentou. 

Retorno de bens culturais

O terceiro ponto em discussão pelo grupo é o retorno de bens culturais aos países de origem, como ocorreu com o Brasil, no ano passado, ao receber de volta o manto tupinambá, que estava no Museu Nacional da Dinamarca há 330 anos.

“É uma questão bastante cara, especialmente a países que passaram pelos períodos coloniais, que tiveram boa parte dos bens culturais saqueados e levados para outros países. Há convenções internacionais no âmbito da Unesco para poder regular essas negociações sobre o retorno desses bens. O que a gente está propondo é fazer um seminário com especialistas, acadêmicos, com apoio de universidades, aqui no Brasil, em parceria com a USP, em que a gente deve discutir formas de facilitar essas negociações diplomáticas no âmbito multilateral”, explicou o chefe de Assuntos Internacionais do MinC. Segundo ele, vários países do Sul Global já possuem processos em andamento para recuperarem seus bens, mas, eles ocorrem de maneira bilateral. Contando com o multilateralismo, negociações delicadas poderiam ser beneficiadas. 

De maneira geral, Melo acredita que o balanço geral do primeiro encontro do GT de Cultura 

foi positivo. “Essa foi uma primeira reunião, onde ouvimos dos países as visões sobre os temas. Identificamos uma convergência grande e a ideia de ter entregas mais concretas é construir consensos a partir da troca de experiências e informações. As similaridades das nossas economias e processos históricos entre esses países faz com que nossos objetivos nessas áreas sejam bastante complementares. Esperamos que possamos construir uma posição bastante robusta na área cultural e que isso possa ecoar em outros blocos e foros multilaterais”, declarou. 

O próximo encontro técnico da Cultura do BRICS ocorrerá nos dias 22 e 23 de maio, presencialmente, em Brasília. Já a reunião ministerial está prevista para 26 de maio, no Itamaraty.  

Além dos debates acima, o GT de Cultura pretende promover um Festival de Cinema do BRICS, no final do segundo semestre. A intenção, além de compartilhar os filmes dos países, é fomentar a economia criativa do agrupamento. Será lançada também uma plataforma com esse mesmo fim, compartilhando dados e indicadores culturais do Sul Global.