Discurso do Ministro Mauro Vieira na 1ª Reunião de Sherpas do Brics - Brasília, 25-26 de fevereiro de 2025
Excelências,
É uma honra dar-lhes as boas-vindas a esta reunião inaugural da presidência brasileira do BRICS. Estamos reunidos em um momento crucial — de profundas transformações, em que os princípios do multilateralismo e da cooperação são testados por crises que exigem ação urgente e coletiva.
A ordem internacional passa por mudanças significativas. O aprofundamento das tensões geopolíticas, o aumento das desigualdades e as rápidas transformações tecnológicas e econômicas desafiam as estruturas tradicionais de governança. Instituições de longa data enfrentam dificuldades para se adaptar, enquanto economias emergentes reivindicam, com razão, um papel mais equitativo na definição de decisões que nos afetam a todos. Nesse cenário em evolução, o BRICS desempenha um papel fundamental na promoção de uma ordem mundial mais justa, inclusiva e sustentável.
Um mundo multipolar não é apenas uma realidade emergente — é um objetivo compartilhado. Um sistema global reequilibrado deve ter bases mais sólidas de equidade e representatividade, e nenhuma base desse tipo pode ser construída sem a voz do BRICS. Este grupo incorpora as aspirações do Sul Global, e nosso papel na configuração do futuro nunca foi tão significativo.
A recente expansão do BRICS — de cinco para onze membros — foi um marco importante. Representamos quase metade da população mundial e 39% do PIB global, além de sermos responsáveis por metade da produção global de energia. Esse BRICS ampliado simboliza um Sul Global que não é mais apenas um participante dos assuntos globais, mas uma força influente e construtiva na configuração da ordem internacional.
O cerne de nossas discussões hoje e amanhã é a necessidade de redefinir a governança global de modo a refletir as realidades do século XXI. As instituições mundiais devem evoluir para acomodar perspectivas diversas, garantindo que as nações em desenvolvimento não sejam meros espectadores, mas sim arquitetos ativos do futuro. O BRICS representa uma nova visão de governança global — uma que prioriza inclusão, equidade e cooperação em detrimento da hegemonia, injustiça, desigualdade e unilateralismo.
Excelências,
A ordem internacional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial baseou-se em duas grandes promessas: um sistema coletivo de segurança centrado na Organização das Nações Unidas e uma visão de prosperidade por meio de um sistema multilateral de comércio baseado em regras. Hoje, as limitações dessas promessas tornam-se cada vez mais evidentes.
Em termos de segurança, assistimos a um aumento alarmante das crises humanitárias, conflitos armados, deslocamentos forçados, insegurança alimentar e instabilidade política. As necessidades humanitárias crescem, mas as respostas internacionais permanecem fragmentadas e, por vezes, insuficientes. Para enfrentar esses desafios, devemos defender uma reforma abrangente da arquitetura global de segurança — que reflita as realidades contemporâneas e sustente nossa responsabilidade moral compartilhada de agir.
O BRICS deve defender uma abordagem multilateral para a resolução de conflitos, enfatizando a diplomacia, a mediação, a prevenção de crises e o desenvolvimento sustentável. Devemos também promover um sistema humanitário que seja isento de pressões políticas, neutro e verdadeiramente universal — garantindo que a ajuda chegue a quem dela necessita sem condicionalidades ou motivações políticas.
Na esfera econômica, testemunhamos um processo de "desglobalização". Políticas protecionistas, fragmentação comercial, barreiras não econômicas e a reconfiguração das cadeias de suprimentos ameaçam aprofundar as desigualdades globais. O BRICS deve resistir a essa fragmentação e advogar por um sistema de comércio multilateral aberto, justo e equilibrado — que atenda às necessidades do Sul Global e promova uma ordem econômica verdadeiramente multipolar.
Um aspecto central dessa transformação é a reforma da arquitetura financeira. O sistema vigente foi concebido para uma era distinta e, muitas vezes, falhou em atender às realidades enfrentadas pelos países em desenvolvimento. O BRICS deve continuar avançando em mecanismos financeiros alternativos, como o Novo Banco de Desenvolvimento, que desempenha um papel vital no financiamento de infraestrutura e projetos de desenvolvimento sustentável em economias emergentes.
Excelências,
A resposta mais eficaz à crise do multilateralismo é mais multilateralismo — mais forte e mais inclusivo em todas as esferas.
Além da reforma da governança global, a presidência brasileira do BRICS se concentrará em duas áreas centrais: Cooperação do Sul Global e uma Parceria do BRICS para o Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental, visando trazer soluções para onde o mundo mais necessita.
Organizaremos nosso trabalho em torno de seis prioridades: cooperação em saúde global; comércio, investimento e finanças; combate à mudança do clima; governança da inteligência artificial; reforma do sistema multilateral de paz e segurança; e desenvolvimento institucional do BRICS.
A pandemia da COVID-19 expôs severas desigualdades no acesso a vacinas, tratamentos e suprimentos médicos essenciais. Evidenciou a necessidade urgente de uma arquitetura global de saúde mais coordenada, resiliente e inclusiva – que atenda a todas as nações, e não apenas a algumas privilegiadas. O status econômico não pode determinar o acesso à saúde. Não podemos aceitar uma hierarquia internacional de doenças e tratamentos. O BRICS deve liderar os esforços para enfrentar doenças socialmente determinadas e negligenciadas e demais desafios de saúde que afetam desproporcionalmente o Sul Global. Devemos promover uma agenda de saúde global que priorize as necessidades de países em desenvolvimento e que fortaleça os sistemas nacionais de saúde.
À medida que navegamos pelas transformações do século XXI, a inteligência artificial apresenta tanto oportunidades imensas quanto riscos profundos. A IA tem o potencial de transformar dramaticamente setores como saúde e educação. No entanto, sem governança adequada, também pode gerar desafios éticos, econômicos e de segurança.
A governança global de IA deve ser inclusiva e democrática, além de contribuir para o desenvolvimento econômico. Ela não pode ser ditada por um pequeno grupo de atores enquanto o restante do mundo é forçado a se adaptar a regras que não ajudou a estabelecer. Os BRICS devem defender uma abordagem multilateral que garanta que o desenvolvimento de IA seja ético, transparente e alinhado aos interesses coletivos da humanidade. Nossa colaboração deve se concentrar em promover a pesquisa em IA, abordar o viés algorítmico, proteger a privacidade de dados, mitigar riscos de cibersegurança e administrar os impactos socioeconômicos da automação.
Apesar de nossa contribuição significativa para a economia global, o comércio entre os países dos BRICS ainda está muito aquém de seu potencial. Nossa presidência se concentrará em maneiras de aumentar os fluxos comerciais, tanto explorando medidas de facilitação de comércio quanto estimulando instrumentos de pagamento em moedas locais.
A crise climática é o maior desafio de nossa época. Embora as nações dos BRICS tenham assumido compromissos importantes em prol da sustentabilidade, é preciso reconhecer o grande déficit de financiamento que prejudica os esforços de adaptação e mitigação do clima em países em desenvolvimento.
Apesar de contribuírem pouco para as emissões históricas de gases de efeito estufa, o Sul Global é o que mais sofre com as consequências das mudança do clima — de eventos climáticos extremos à elevação do nível do mar e perda de biodiversidade. Enfrentar essa crise exige não apenas ambição, mas também justiça. A justiça climática deve estar no centro das discussões internacionais, garantindo que as nações em desenvolvimento tenham tanto a autonomia quanto os recursos necessários para realizar a transição rumo a economias de baixo carbono, sem abrir mão de seus objetivos de desenvolvimento.
Excelências,
O mundo está em uma encruzilhada, e as escolhas que fizermos hoje moldarão o futuro da governança global pelas próximas gerações. Os BRICS foram fundados com base nos princípios de cooperação, equidade e respeito mútuo. Ao iniciarmos esta jornada juntos, reafirmemos nosso compromisso de construir uma ordem internacional mais justa, inclusiva e sustentável.
Ao fortalecer a cooperação do Sul Global, promover parcerias para o desenvolvimento social, econômico e ambiental, e defender o multilateralismo, podemos ajudar a forjar um futuro que reflita as aspirações dos bilhões de pessoas que representamos.
Aguardo com interesse as discussões entre nossos países e as ações concretas que surgirão de nossos esforços conjuntos.
Muito obrigado.