Fórum Acadêmico do BRICS apresenta portfólio inédito mapeando 180 mecanismos de cooperação do grupo
Documento sistematiza as principais iniciativas implementadas ao longo dos anos, com o objetivo de fortalecer a governança do grupo e servir de referência para os países que passaram a integrar o BRICS recentemente ou que pretendem aderir futuramente

Por Leandro Molina | BRICS Brasil
Nesta quarta e quinta-feira (25 e 26), foi realizado em Brasília o 17º Fórum Acadêmico do BRICS, que reuniu especialistas de think tanks — centros de estudos que elaboram propostas e análises para políticas públicas — de nove países, com o objetivo de discutir soluções conjuntas para os principais desafios globais. O encontro, realizado na sede do BRICS na capital federal e coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), marcou o início de um novo ciclo de debates sob a presidência brasileira do grupo, com foco em seis eixos prioritários: saúde global, inteligência artificial, mudança do clima, comércio e finanças, reforma da governança internacional e desenvolvimento institucional.
Na abertura, Luciana Servo, presidente do Ipea, destacou o papel estratégico do BRICS como plataforma de articulação entre os países do Sul Global. "Em um cenário geopolítico complexo, espaços como este se tornam ainda mais relevantes para construir respostas coletivas que reflitam nossas prioridades comuns", afirmou. Ela ressaltou que o Fórum representa "uma oportunidade única para escuta ativa, reflexão estratégica e construção colaborativa de soluções que dialoguem tanto com as necessidades brasileiras quanto com o espírito transformador do BRICS".
Um dos principais resultados concretos do encontro foi a aprovação de um Portfólio de Mecanismos de Cooperação do BRICS, elaborado pelo BRICS Think Tanks Council (BTTC) sob coordenação do Ipea, que apresenta um mapeamento inédito de 180 mecanismos de cooperação desenvolvidos pelos países-membros desde a fundação do grupo. A iniciativa busca fortalecer a governança multilateral e a atuação conjunta do grupo, especialmente após sua expansão. A pesquisa sistematiza informações sobre reuniões, mandatos e resultados de fóruns temáticos como agricultura, finanças, cultura, juventude e segurança, com vistas a aprimorar a coesão e a efetividade institucional do agrupamento.
Veja aqui o Portfólio de Mecanismos de Cooperação do BRICS
Keiti da Rocha Gomes, diretora de Estudos Internacionais do Ipea, explicou que este trabalho representa um marco na institucionalização do BRICS: "Pela primeira vez, temos um panorama completo das múltiplas iniciativas que compõem a arquitetura do grupo. Isso nos permite identificar sinergias, evitar duplicações e potencializar nossos resultados coletivos". O documento preliminar foi apresentado durante o encerramento do Fórum Acadêmico e continuará sendo aprimorado ao longo do segundo semestre.
Saúde global: cooperação que salva vidas
O primeiro dia de debates destacou a saúde global como área prioritária, com exemplos concretos de como a cooperação no BRICS salvou vidas durante a pandemia. João Miguel Estephanio, assessor internacional da Fiocruz, lembrou que três países do grupo — China, Rússia e Índia — foram protagonistas na produção de vacinas contra a COVID-19. "A transferência de tecnologia e o compartilhamento de capacidades produtivas dentro do BRICS foram essenciais para proteger nossas populações", afirmou.
Os debates sobre inteligência artificial e comércio digital revelaram convergências importantes entre os membros do BRICS. Dr. Samir Saran, presidente da Observer Research Foundation, da Índia, destacou as semelhanças entre o Pix brasileiro e o sistema UPI indiano como exemplos de inovação tecnológica inclusiva. "Ambos os sistemas foram criados para beneficiar milhões de pessoas, não apenas as elites. Esta visão de tecnologia como ferramenta de desenvolvimento social é uma prioridade compartilhada", observou.
O especialista indiano traçou paralelos entre as trajetórias dos dois países: "Assim como o Brasil tem o Bolsa Família, nós retiramos 200 milhões de pessoas da pobreza nas últimas décadas. Nossas prioridades sociais e econômicas são extraordinariamente alinhadas". Saran defendeu que o BRICS oferece um "terceiro caminho" de desenvolvimento: "Podemos construir algo único, que respeite nossas diversidades enquanto avançamos em objetivos comuns".
Ação conjunta além do discurso

Sarah Mosoetsa, CEO do Human Sciences Research Council, da África do Sul, enfatizou o caráter prático da cooperação no BRICS. "Temos resultados concretos que melhoram a vida das pessoas, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o centro regional de vacinas", afirmou. A professora destacou que a expansão do grupo — com a inclusão de países como Etiópia — fortalece sua representatividade: "O BRICS não é uma conferência acadêmica, mas uma plataforma de ação coletiva", argumentou.
Mosoetsa ressaltou o simbolismo do momento atual: "Num mundo fragmentado por conflitos, nosso grupo representa esperança concreta. Os debates mostraram que, apesar das diferenças, conseguimos alcançar consensos sobre os caminhos para o desenvolvimento sustentável", pontuou.
O Fórum Acadêmico do BRICS também dedicou atenção especial à mudança do clima e à reforma da arquitetura global de paz e segurança. Especialistas destacaram como eventos extremos — como as enchentes no Rio Grande do Sul e secas na África — exigem respostas coordenadas. "Quando compartilhamos experiências e soluções para esses desafios comuns, fortalecemos nossa capacidade de prevenção e resposta em nível nacional", observou Luciana Servo, do Ipea.
O documento final do encontro consolida recomendações que serão apresentadas aos líderes do BRICS durante a cúpula, nos próximos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. A declaração reflete o espírito do Fórum: um espaço plural onde países do Sul Global definem, em pé de igualdade, os rumos de sua cooperação estratégica.