GOVERNANÇA INCLUSIVA

Inteligência artificial e clima: declaração do BRICS propõe políticas para proteger trabalhadores

Ministros de Trabalho e Emprego do BRICS aprovam declaração e firmam compromisso por trabalho justo frente a IA e mudança do clima, com foco em proteção social e requalificação profissional. Em reunião ministerial, Brasil lidera diálogo por governança inclusiva.

Países do BRICS unem-se por trabalho justo em meio a revolução tecnológica e crise do clima | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil
Países do BRICS unem-se por trabalho justo em meio a revolução tecnológica e crise do clima | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil

Por Leandro Molina / leandro.molina@presidencia.gov.br

Em um momento de profundas transformações no mundo do trabalho, os países do BRICS assumiram uma posição conjunta para garantir que os avanços tecnológicos e a transição para uma economia sustentável não deixem os trabalhadores para trás. A 11ª Reunião dos Ministros do Trabalho e Emprego do grupo, realizada em Brasília, resultou em uma declaração que traça um caminho para enfrentar os impactos da inteligência artificial e da mudança do clima no mercado de trabalho, com ênfase na proteção social e na requalificação profissional.  

O documento reconhece que a inteligência artificial está remodelando radicalmente as relações de trabalho. Se por um lado a tecnologia cria novas oportunidades, por outro traz riscos como a substituição de postos de trabalho e a ampliação de desigualdades. Para enfrentar esse cenário, os países do BRICS se comprometeram a adotar políticas que garantam uma transição justa, com investimentos em capacitação digital e proteção aos direitos dos trabalhadores. O texto diz que a chave para essa transição está em abraçar os avanços tecnológicos, mas sem perder de vista a centralidade do ser humano.  

A transformação digital foi apontada como uma aliada para o desenvolvimento de setores estratégicos, como energia renovável e manufatura de alta tecnologia. No entanto, os ministros alertaram para a necessidade de reduzir as assimetrias entre os países do BRICS, especialmente no que diz respeito à infraestrutura digital e ao acesso à educação. Programas de requalificação profissional e parcerias com universidades e empresas foram destacados como essenciais para preparar a força de trabalho para as demandas do futuro.  

Grupos vulneráveis, como mulheres, jovens, trabalhadores mais velhos e pessoas com deficiência, receberam atenção especial na declaração. Os ministros reconheceram que esses segmentos estão mais expostos aos efeitos negativos da automação e da mudança do clima. Para protegê-los, o grupo anunciou a criação do Observatório de Proteção Social do BRICS, uma plataforma que vai promover a troca de experiências e o alinhamento de políticas públicas entre os países-membros.  

A mudança do clima e seus impactos no emprego também ocuparam lugar central nos debates. Os ministros destacaram que a transição para uma economia de baixo carbono pode gerar milhões de novos postos de trabalho, mas exigirá uma requalificação em larga escala da mão de obra. Conforme o documento, uma transição justa deve ser socialmente inclusiva, garantindo que os trabalhadores dos setores mais afetados tenham oportunidades em novas áreas. Entre as medidas propostas estão a criação de programas de habilidades verdes e a adaptação das normas de segurança ocupacional para proteger profissionais que trabalham em condições climáticas extremas. 

BRICS como alternativa na governança global

Declaração do BRICS defende requalificação e proteção social em meio a transformações globais | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil
Declaração do BRICS defende requalificação e proteção social em meio a transformações globais | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil

Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, abriu a reunião do BRICS, em Brasília, com um discurso que enfatizou a necessidade de respostas globais aos desafios do mercado de trabalho, como a inteligência artificial e a crise do clima. O encontro ocorreu sob a presidência brasileira do grupo, com o tema "Fortalecendo a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável".

O ministro destacou a importância do multilateralismo para enfrentar os impactos da inteligência artificial (IA) e da crise climática no mundo do trabalho. “Com os EUA recuando de fóruns internacionais, os países do BRICS têm a responsabilidade de liderar soluções justas, garantindo transições equilibradas — tanto tecnológica quanto ambiental — com remuneração digna e ambientes de trabalho saudáveis", declarou.

A retirada americana de organismos multilaterais cria um vácuo, mas também abre espaço para o BRICS assumir um papel mais ativo. Marinho enfatizou que a situação, embora desafiadora, é uma chance para reforçar a cooperação global e sustentar instituições internacionais. Como exemplos brasileiros de experiências bem-sucedidas, o ministro destacou a Lei de Igualdade Salarial, políticas previdenciárias e de assistência social (modelo para outros países); e a democratização do crédito para trabalhadores, aliada à qualificação profissional frente à IA. Marinho reforçou que as transformações atuais exigem ações coletivas, e o Brasil está pronto para contribuir com políticas que combinem inclusão, sustentabilidade e justiça social.

Declaração conjunta com 54 pontos reforça justiça social

O documento final, assinado no Itamaraty, aborda temas como inteligência artificial (IA), inclusão de jovens e pessoas com deficiência, e políticas para grupos vulneráveis. Uma das principais decisões foi a criação de um Observatório de Políticas, plataforma para troca de experiências em trabalho decente e proteção social. Nos dias 22 e 23, representantes discutiram os impactos das mudanças climáticas no emprego, defendendo uma transição sustentável e inclusiva. Sobre a IA, o ministro alertou para a necessidade de regulação que evite desigualdades, com foco em qualificação profissional e direitos trabalhistas.

Dados reforçam peso do BRICS na economia global

Comércio internacional: 24% do total, com 210 bilhões de dólares em trocas com o Brasil em 2024 (35% do total). Energia e recursos: 43,6% do petróleo, 36% do gás natural e 78,2% do carvão mineral global. Crescimento econômico: todos os membros terão alta em 2024, entre 1,1% e 6,1% (FMI).

Com a entrada de seis novos países (Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito, Etiópia, Indonésia e Irã), o grupo ampliou sua influência geopolítica. As propostas aprovadas devem orientar políticas públicas nos países-membros, com monitoramento pelo novo Observatório.

Diálogo social e reformas globais

Representantes de centrais sindicais e organismos internacionais reforçaram a demanda por uma governança global mais equitativa, e defenderam a reforma de instituições como FMI e Banco Mundial para combater a pobreza e promover o emprego digno. Eles argumentaram a necessidade de financiamento climático e políticas que evitem retrocessos.

Já representantes de empregadores, alertaram para os impactos da mudança do clima no emprego, e cobraram investimentos em transição verde e digital. Acrescentaram que pequenas e médias empresas precisam de apoio para sair da informalidade, e o diálogo entre governos, empresas e trabalhadores é essencial neste processo. 

Aposta em IA para transformar mercado de trabalho 

Laura Thompson, da OIT, diz que clima e IA desafiam emprego, mas que o BRICS é um caminho para soluções | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil
Laura Thompson, da OIT, diz que clima e IA desafiam emprego, mas que o BRICS é um caminho para soluções | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil

Laura Thompson, diretora-geral adjunta para Relações Exteriores e Corporativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), diz que uma das medidas que os governos podem começar é extremamente importante, e trata-se de desenvolver as habilidades de seus jovens e de seus profissionais para adaptarem-se ao mundo tecnológico. Ela diz que a educação é fundamental nos processos de desenvolvimento, e que o BRICS contribui para debater novas tecnologias e a preservação do direito. Laura avalia que essas reuniões do grupo oferecem uma grande oportunidade de experiências de diferentes países de como melhorar a capacidade para fazer a população capaz de entrar na era e se adaptar ao mundo do que está vindo no futuro. “Você deve estar animado para entrar num mundo  e aprender e ter novas habilidades. Nossa habilidade de continuar aprendendo e continuar descobrindo é provavelmente o que vai ajudar a realmente nos adaptarmos a uma nova realidade.   

A representante da Índia, Shobha Karan Lajay, destacou durante a reunião ministerial do BRICS a importância estratégica da inteligência artificial para o desenvolvimento econômico e a preparação da força de trabalho diante das novas demandas globais. Com uma população onde 66% têm menos de 35 anos, o país está implementando a IA em todos os setores, desde áreas urbanas e rurais, capacitando trabalhadores para atuar em saúde, agricultura e cidades inteligentes. 

"Reconhecemos a IA como uma competência fundamental para o futuro. Estamos construindo uma economia que alia tecnologia e pensamento crítico", afirmou. Entre as iniciativas indianas estão investimentos em setores estratégicos, programas de capacitação rural - incluindo treinamento no uso de drones - e cooperação com mercados emergentes, com destaque para o apoio às iniciativas brasileiras de formação em IA.  

Representante da Índia diz que o país está qualificando os jovens para atuar além das fronteiras nacionais, em um mercado de trabalho mundial | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil
Representante da Índia diz que o país está qualificando os jovens para atuar além das fronteiras nacionais, em um mercado de trabalho mundial | Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil

A representante enfatizou que a Índia possui cerca de 800 milhões de trabalhadores, que estão passando por um processo de transformação digital. "Nossa força laboral não está mais restrita a plataformas físicas. Estamos exportando mão de obra qualificada para diversos países", explicou. 

Durante o evento, Lajay elogiou a escolha temática proposta pela presidência brasileira do BRICS, que aborda os desafios da força de trabalho frente às novas tecnologias. "Essa discussão é fundamental. Na Índia, estamos preparando nossa juventude qualificada não apenas para o mercado interno, mas para atuar em escala global", concluiu, reforçando o princípio de que "a IA deve servir às pessoas, e não o contrário". 

Paula Montagner, subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, apresentou uma análise abrangente sobre os impactos da inteligência artificial no mundo do trabalho. Com experiência na articulação entre conhecimento acadêmico e políticas públicas, Montagner destacou a necessidade de abordar o tema com equilíbrio e visão estratégica.  

"A inteligência artificial é uma ferramenta de dupla face", explicou a secretária. "Por um lado, traz ganhos de eficiência e velocidade para resolver problemas antigos e novos. Por outro, exige que prestemos atenção aos seus efeitos sobre os trabalhadores, que variam conforme a velocidade de implementação e os padrões éticos adotados em cada sociedade."  

Montagner enfatizou o papel fundamental do BRICS nesse debate. "Não podemos permitir que os benefícios da IA fiquem concentrados nas mãos de poucos. É essencial compartilhar o conhecimento tecnológico com toda a sociedade para que ninguém fique para trás", avalia.

Segundo dados citados pela especialista, cerca de 2 bilhões de trabalhadores em todo o mundo serão afetados pela IA — não necessariamente perdendo seus empregos, mas vendo suas funções transformadas. No caso do Brasil, estima-se que 14 milhões de trabalhadores formais, especialmente em áreas administrativas, já estão sentindo esses impactos.  

A situação dos trabalhadores de plataforma também foi destacada: "Temos mais de 2 milhões de pessoas nessa condição no Brasil, com jornadas excessivas e falta de transparência sobre como seus rendimentos são calculados. Precisamos avançar na regulamentação para garantir proteção social e condições dignas", afirmou.  

Do ponto de vista da pesquisa, o Brasil ocupa posição de destaque, estando entre os 15 países com maior produção científica sobre IA, com aproximadamente 14 mil centros de estudo dedicados ao tema. "Mas precisamos ir além das publicações", alertou Montagner. "O desafio agora é desenvolver metodologias comuns entre os países do BRICS para medir e comparar esses impactos", apontou.  

Para a secretária, a requalificação profissional será crucial. "A IA não deve simplesmente eliminar postos de trabalho, mas criar novas tarefas e oportunidades. Nosso foco deve ser capacitar os trabalhadores para essas novas demandas, garantindo emprego digno e salários justos", acrescentou.  

A apresentação de Montagner integrou os debates da reunião ministerial do BRICS, que ocorre sob presidência brasileira e tem como tema central o fortalecimento da cooperação para uma governança mais inclusiva e sustentável no mundo do trabalho.

A declaração será submetida à Cúpula do BRICS para aprovação pelos líderes do grupo. Enquanto isso, os países continuarão a trabalhar em iniciativas como a Plataforma do Ecossistema de Produtividade para o Trabalho Decente, lançada em 2023, e a Rede de Segurança e Saúde Ocupacional do grupo.  

O encontro encerrou com um agradecimento à presidência brasileira e a confirmação de que a próxima reunião ocorrerá em 2026, na Índia. Em um mundo marcado por incertezas, o BRICS deixa claro que a cooperação entre nações emergentes será fundamental para construir um futuro do trabalho mais justo e sustentável.

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