Luciana Mancini: “As micro e pequenas empresas são a espinha dorsal da economia do BRICS”
Em entrevista exclusiva ao BRICS Brasil, a coordenadora do Grupo de Trabalho de Micro, Pequenas e Médias Empresas comentou os desafios da presidência brasileira de liderar o primeiro GT sobre o assunto no agrupamento.

Por Mayara Souto / mayara.souto@presidencia.gov.br
A presidência brasileira à frente do BRICS inaugurou, neste ano, o Grupo de Trabalho de Micro, Pequenas e Médias Empresas (PMEs ou SMEs, da sigla em inglês), como parte da Parceria do agrupamento para a Nova Revolução Industrial (PartNIR). O objetivo da iniciativa é promover o desenvolvimento industrial, a inovação e a cooperação tecnológica entre os onze países membros.
“As micro, pequenas e médias empresas conformam a espinha dorsal das economias de literalmente todos os países BRICS”, destacou Mancini.
Em entrevista exclusiva ao BRICS Brasil, a coordenadora do GT, Luciana Mancini, comentou os desafios de organizar a primeira edição do grupo, neste ano. A também assessora especial para assuntos internacionais do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP) afirma que há grande importância desse segmento nas economias do agrupamento.
Considerando o Produto Interno Bruto (PIB) e a oferta de emprego nos países do BRICS, é possível observar grande participação das micro, pequenas e médias empresas na economia do agrupamento. No Egito, por exemplo, 80% do PIB é fruto desse segmento. Na China, a realidade é similar, com 60% do PIB representados pelos pequenos negócios. Já na Índia, 95% dos empregos gerados advém desse setor, com situação similar na China (80%), na Rússia (72,5%) e no Egito (72%). Os dados são parte de levantamento do MEMP para a estruturação do GT.
“As micro, pequenas e médias empresas conformam a espinha dorsal das economias de literalmente todos os países BRICS”, destacou Mancini.
Com esse potencial, o GT pretende organizar as experiências já consolidadas pelos países do BRICS e encontrar maneiras de melhorá-las ainda mais, através do uso da tecnologia. “Nós sabemos que as plataformas de e-commerce hoje têm um papel absolutamente fundamental para impulsionar os pequenos negócios nacionalmente e internacionalmente”, comentou a coordenadora do GT do BRICS. O uso da Inteligência Artificial (IA) também está incluso nesse debate.
Leia a entrevista completa com a coordenadora do GT de Micro, Pequenas e Médias Empresas do BRICS, Luciana Mancini.
O que faz o GT de Micro, Pequenas e Médias Empresas?
Luciana Mancini: O SME Working Group é um grupo novo que acabou de ser estruturado, no ano passado, durante a presidência russa do agrupamento. Então, na presidência brasileira, nós somos o primeiro país que está coordenando e estruturando a atuação desse novo grupo de trabalho.
Ao longo da história do BRICS, a temática de PMEs é uma temática que tem sido tocada nas várias presidências que nos antecederam, mas de uma forma pouco organizada. Essa criação de um grupo de trabalho específico dentro do BRICS para tratar da temática é uma novidade e ela nos trouxe a oportunidade de aprofundar as discussões no BRICS.
Como está sendo estruturado esse GT que ocorre pela primeira vez neste ano?
Luciana Mancini: Basicamente, o que nós estamos fazendo na nossa presidência é montar, realmente, uma estratégia, um plano de ação, um mecanismo de funcionamento. Estamos definindo quais as prioridades que esse plano de ação deverá ter e como podemos implementar essas prioridades em ações concretas, que tragam efetivo benefício para as pequenas e médias empresas, no âmbito do agrupamento. E também impulsionar esses negócios, entre, inclusive, os próprios países que compõem agora, o BRICS. Os cinco originais e os seis adicionais. E que são países que têm imensas assimetrias.
Então, o grande desafio é como estruturar um plano de trabalho, estratégias, propostas, atividades, iniciativas, que possam, efetivamente, impulsionar os pequenos negócios. E não só do ponto de vista das políticas públicas, porque são os governos que estão discutindo, mas nós estamos reunindo também as diferentes instâncias governamentais dos BRICS e as suas agências implementadoras de iniciativas de programas e de projetos.
Você mencionou assimetrias dentro dos países do BRICS. Quais são elas nas PMEs?
Luciana Mancini: Dentro do BRICS há um tratamento diferenciado para as PMEs, as micro, pequenas e médias empresas, em cada um dos países do BRICS. Do ponto de vista governamental, cada país BRICS tem uma estrutura diferente, trata a temática de uma forma diferente em instâncias diferentes de cada governo.
Dou um exemplo concreto. No caso do Brasil, da África do Sul, da Índia e da Indonésia são países que têm, por exemplo, no âmbito nacional e federal, ministérios temáticos específicos sobre PMEs. Diferentemente de outros países que tratam a temática de PMEs em ministérios de comércio, ministérios da economia, ministérios de indústria e outros diferentes arranjos.
E o que há em comum entre as PMEs do BRICS?
Luciana Mancini: As pequenas empresas, as micro, pequenas e médias empresas conformam a espinha dorsal das economias de literalmente todos os países BRICS. Por exemplo, do ponto de vista da sua participação nos PIBs (Produto Interno Bruto) dos países BRICS, é extremamente elevado. Do ponto de vista da geração de emprego, é extremamente elevado.
Então, essas empresas conformam uma participação majoritária no tecido social, no tecido empresarial de todos os países BRICS. Nós estamos trabalhando com essa característica, principalmente, e estabelecendo as nossas prioridades de atuação, muito com base nessa realidade.
E quais são essas prioridades do GT de PMEs?
Luciana Mancini: A nossa preocupação foi tentar estruturar este grupo de trabalho. Então, nós trabalhamos com, primeiro, o mapeamento de quem é quem, ou seja, quais são as instâncias governamentais dentro da estrutura dos BRICS que atuam nessa área. Na sequência, nós trabalhamos na própria estruturação do grupo de trabalho, criando termos de referência para como nós vamos trabalhar a partir de agora, em todas as presidências, até para garantir um senso de continuidade nas futuras presidências.
O terceiro ponto e mais central nessa estratégia de estruturação, já que somos o primeiro país e a primeira presidência que assumiu essa função de estruturar esse grupo de trabalho, foi justamente propor aos nossos parceiros um plano de ação. Esse plano de ação está estruturado em três grandes eixos.
Quais são os eixos do plano de ação?
Luciana Mancini: O primeiro eixo é o da troca de informações e melhores práticas. Ou seja, nós queremos conhecer o que é que os países BRICS, o que os nossos parceiros fazem, quais são as políticas, quais são as estratégias, quais são as iniciativas, como é que eles implementam, na prática, as políticas públicas voltadas para as PME's.
O segundo eixo deste plano de ação é justamente buscar a interação e a sinergia entre os países. Nós estamos propondo a criação de um fórum de PMEs, o estabelecimento de encontros frequentes, a participação, por exemplo, de PMEs brasileiras em eventos, iniciativas e congressos que estão acontecendo nos outros países BRICS. Há um foco muito grande na necessidade de trabalhar capacitação, de cooperação business to business, negócio a negócio, promoção de pesquisa, elaboração de estudos conjuntos e suporte e apoio a iniciativas de negócios sustentáveis.
Em terceiro lugar, há uma preocupação com a vertente do comércio. Se você olhar a realidade das PMEs, das micro pequenas empresas e médias empresas nos BRICS, observa-se uma diferença muito grande, uma assimetria muito grande na participação dessas empresas no volume de negócios internacionais, no volume do comércio desses países.
Quais países podem exemplificar essas questões do comércio internacional?
Luciana Mancini: Você pega casos como a China, por exemplo, é um país em que 60% do volume de exportações da China vem de PMEs, de pequenas e médias empresas, e é algo surpreendente, né? Quer dizer, como é que a China consegue envolver a participação dessas empresas.
Há todo um conjunto de políticas para impulsionar internamente e capacitar e preparar essas empresas para exportar. E, no entanto, você tem o caso brasileiro que o nosso volume, quer dizer, a participação das PMEs brasileiras no volume total de exportações brasileiras é muito pequeno, está abaixo de 1%.
Acho que é uma prioridade, justamente, do nosso governo, de impulsionar, capacitar, preparar as empresas e criar condições favoráveis para que os pequenos negócios brasileiros possam participar mais ativamente do comércio internacional, especialmente, com a nossa preocupação de criar uma ampliação realmente do comércio entre os países BRICS.
E para essa união de comércio das PMEs, o mundo digital é muito importante.
Luciana Mancini: Ainda mais hoje que nós vivemos a economia digital por excelência. Então, a participação das plataformas digitais, das plataformas de e-commerce é muito importante. Nós sabemos que as plataformas de e-commerce hoje têm um papel absolutamente fundamental para impulsionar os pequenos negócios nacionalmente e internacionalmente.
Nós também focamos bastante na importância de identificar setores chaves que já estariam prontos ou preparados ou em processo de preparação para participar deste comércio que ocorre via plataformas de e-commerce. Essa é uma preocupação extremamente importante. Identificar os setores e identificar os negócios que estão preparados para integrar e participar dessas iniciativas e de utilizar as plataformas para vender e exportar. Vender nacionalmente, claro, dentro dos próprios países, mas também vender e participar das cadeias globais de valor de uma forma mais proativa.

E, neste sentido, a inteligência artificial foi um assunto proposto pela presidência brasileira do BRICS. Como essa temática está sendo debatida?
Luciana Mancini: Nós trouxemos para o grupo de trabalho de PMEs, uma discussão mais aprofundada sobre como a transformação digital e como a utilização das tecnologias de inteligência artificial podem impulsionar a produtividade e a inovação, servir realmente como uma ferramenta vantajosa para os pequenos negócios.
Como que a inteligência artificial pode mais eficazmente ser adotada pelos pequenos negócios? Como é que os países BRICS estão trabalhando para proporcionar aos pequenos negócios se apropriarem dessa tecnologia? Como é que nós podemos promover melhor as competências digitais para que as empresas possam realmente participar dessas plataformas e impulsionar as suas vendas? E, principalmente, a nossa preocupação foi tentar discutir quais são os desafios enfrentados pelos pequenos negócios diante da transformação digital, principalmente, no aspecto da qualificação da força de trabalho visando a adoção de inteligência artificial.
Um dos produtos do grupo de trabalho de PMEs foi justamente a realização de dois webinars cujo o título foi exatamente "A transformação digital na era da inteligência artificial, como empoderar as PMEs dos BRICS para um futuro competitivo". Nós convidamos representantes e especialistas de todos os países BRICS, de todos os ministérios que tratam de PMEs, trouxemos também organismos internacionais especializados, principalmente, do sistema das Nações Unidas, para discutir o impacto da inteligência oficial nas PME's dos BRICS e como os pequenos negócios podem se beneficiar e podem melhor adotar essa tecnologia para ganhar em produtividade e competitividade.
Nós estamos visualizando a possibilidade de criar programas e projetos e iniciativas conjuntas para impulsionar essa agenda dentro do BRICS. Os países têm algumas experiências muito bem sucedidas de capacitação, de apropriação, de aumento de produtividade das PMEs por conta da utilização e da adoção dessas tecnologias às PMEs.
Quando falamos de BRICS, estamos falando de países em desenvolvimento e com muitas desigualdades ainda. Como está a questão do acesso à IA nos países-membros, como Brasil, Indonésia e Etiópia, por exemplo?
Luciana Mancini: É verdade. O que nós observamos nessas discussões que tivemos, no âmbito dos BRICS e no âmbito do grupo de trabalho sobre inteligência artificial, é que não há nenhum país que esteja distante dessa discussão. Todos os países, de alguma forma, estruturam internamente estratégias nacionais, políticas nacionais, mesmo aqueles países que você mencionou, que são de menor desenvolvimento relativo. Estão buscando desenvolver, estão buscando parcerias porque já identificaram algumas questões centrais.
A tecnologia da Inteligência Artificial, todos os estudos mostram, é um instrumento absolutamente sem o qual não é possível buscar o salto de produtividade e o salto de desenvolvimento.
Há também uma realidade que é o fato de que grande parte desses países já atingiram uma certa maturidade digital. Apesar das diferenças de avanço e de acesso às tecnologias digitais em cada país do BRICS, observa-se um ponto comum. Todos os países têm hoje uma preocupação e têm políticas nacionais de digitalização e de impulsionar o acesso e as competências digitais, os talentos digitais, a apropriação da tecnologia.
Há exemplos do uso dessa tecnologia em países do BRICS?
Luciana Mancini: A Indonésia, por exemplo, é um país em que as tecnologias digitais são extremamente disseminadas e têm uma população muito grande. A China, sem dúvida nenhuma também, os pagamentos digitais, a utilização dessas ferramentas hoje estão bastante disseminadas em todos os países BRICS. Isso já garante uma base muito forte e muito importante. Além disso, observa-se também que há várias plataformas, principalmente de e-commerce em todos esses países. Algumas mais regionalizadas, outras menos. Essas plataformas associadas muito à atuação dos governos estão proporcionando, cada vez mais, o acesso dos pequenos negócios.
Então, essa é uma característica que se vê bastante disseminada em vários países do BRICS e em alguns, inclusive, com projetos gigantescos. Nós estamos falando de uma Índia com milhões e milhões de empresas de pequenos negócios, 70 milhões, 170 milhões de pequenos negócios já atuando em plataformas digitais e com acesso às tecnologias de inteligência artificial. Acho que essa é uma realidade que também cresce muito cada vez mais no Brasil. É uma realidade que também está presente em praticamente todos os países dos BRICS.
É um investimento no futuro dos países.
Luciana Mancini: Há uma clareza sobre o fato de que a inteligência artificial vai contribuir enormemente, injetar trilhões de dólares na economia global até 2030, vai contribuir para o aumento do PIB de todos os países e vai gerar necessariamente um aumento de produtividade. Isso é o que os estudos que nós estamos nos baseando tem mostrado e todos os países estão nessa direção impulsionando também nesse sentido.
E como as PMEs, aliadas à tecnologia, podem contribuir para diminuir as desigualdades nos países do BRICS?
Luciana Mancini: Sem dúvida, a discussão das pequenas e médias empresas é uma discussão que está profundamente vinculada à agenda de inclusão. Ou seja, é uma agenda absolutamente fundamental para trazer, para capacitar e para inserir as pessoas na economia e no mercado. Portanto, ela é uma agenda bastante positiva em todos os países.
Todos os países entendem e veem as políticas voltadas para as PMEs como políticas de inclusão. Essa é uma preocupação de todos os países dos BRICS. O que nós queremos daqui para frente é tentar estruturar essa agenda.
O que se espera das próximas discussões do GT?
Luciana Mancini: Os desafios são imensos, mas nós vemos como um enorme potencial e nós vamos buscar avançar concretamente. E, mais do que tudo, garantir sustentabilidade, que essa temática continue a ser discutida nas próximas presidencias rotativas que virão. O BRICS tem esse mecanismo de ter uma sucessão de presidências e o que nós temos como objetivo é garantir que as próximas presidências possam construir a partir da estrutura de base que a nossa presidência brasileira está construindo neste ano.