Em visitas à Rússia e à China Lula reforça papel do BRICS e defende multilateralismo e nova governança global
Em agendas na Rússia e China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou o BRICS como motor do Sul Global, defendeu ordem multipolar, firmou parcerias estratégicas e promoveu o multilateralismo e o desenvolvimento sustentável

Por Leandro Molina / leandro.molina@presidencia.gov.br
Em visitas à Rússia e à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva consolidou a imagem do Brasil como um ator central para o fortalecimento do BRICS e defensor de uma nova ordem internacional baseada na cooperação e reorganização das relações internacionais entre vários países. “Apesar dos mais de 15 mil quilômetros que nos separam, nunca estivemos tão próximos”, disse Lula ao presidente chinês Xi Jinping, destacando o papel do BRICS como plataforma fundamental para a articulação do Sul Global e a construção de uma ordem multipolar mais equilibrada.
A passagem pela China, sua quarta visita oficial ao país e a terceira nos últimos dois anos, foi marcada por avanços em acordos nas áreas de inovação, energia, saúde e desenvolvimento sustentável. Em Pequim, Lula reforçou os laços com o principal parceiro comercial do Brasil, promovendo acordos bilaterais que totalizam R$27 bilhões em investimentos.
O presidente brasileiro participou de reuniões com executivos de grandes empresas chinesas dos setores de energia e defesa, que resultaram em anúncios estratégicos. Entre eles, destaca-se o investimento de 1 bilhão de dólares da Envision na produção de SAF — combustível sustentável para aviação — a partir da cana-de-açúcar, reforçando o protagonismo brasileiro na transição energética. Também foi firmado um acordo com a Windey Technology e o SENAI CIMATEC para a criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento voltado à inovação em energia renovável. O documento assinado, marca um novo passo na cooperação bilateral em energias renováveis e tecnologias de baixo carbono.
Durante o Fórum Empresarial Brasil-China, Lula destacou que a parceria com a China vai além dos interesses comerciais e é decisiva para enfrentar desafios sociais, ambientais e tecnológicos. “É com a China que fortalecemos a CELAC — bloco regional que reúne todos os países independentes da América Latina e do Caribe — com o objetivo de promover a integração política, econômica, social e cultural da região como espaço de integração e concertação política”, disse, reiterando a importância do bloco para a construção de uma nova geopolítica de inclusão e solidariedade.
Lula reafirmou o compromisso brasileiro com o multilateralismo e destacou áreas prioritárias de cooperação: transição energética, segurança alimentar, combate à pobreza e inovação tecnológica. “Queremos relações mutuamente benéficas, que respeitem a soberania dos povos e promovam justiça social e ambiental”, afirmou.
Além da agenda ambiental — com destaque para a COP30, que será sediada em Belém (PA) — os resultados econômicos também foram expressivos. Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2023, o comércio bilateral atingiu um recorde de 157,5 bilhões de dólares, com um superávit de mais de 51 bilhões de dólares para o lado brasileiro. As exportações para o país asiático superaram a soma do comércio com Estados Unidos e União Europeia, evidenciando a relevância dessa parceria. Entre os produtos mais exportados estão soja, petróleo e minério de ferro, enquanto as importações brasileiras incluem equipamentos de telecomunicação, embarcações e máquinas industriais.
No período de janeiro a abril de 2025, a China consolidou-se como o principal parceiro comercial, respondendo por 26,5% das exportações e 26,9% das importações. O saldo comercial foi positivo, com um superávit de 4,39 bilhões de dólares, resultado de exportações de 28,45 bilhões de dólares (+12,2% em relação a 2024) e importações de 24,06 bilhões de dólares (+26,1%).
O dinamismo da balança comercial foi ainda mais visível no primeiro trimestre, com um intercâmbio de quase 39 bilhões de dólares, de acordo com a Comex Stat/Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços - MDIC.
A missão brasileira na China também fortaleceu a cooperação na área da saúde, com a criação do Instituto Brasil-China para Inovação em Biotecnologia e Doenças Infecciosas e Degenerativas. A parceria entre a brasileira Eurofarma e a chinesa Sinovac deve posicionar o Brasil como referência em terapias avançadas, com impacto direto na autonomia do SUS e na geração de emprego qualificado.
No campo farmacêutico, outro marco foi o anúncio de R$350 milhões em investimentos para a produção de Insumos Farmacêuticos Ativos, com unidades produtivas no Rio de Janeiro. A parceria promete reduzir a dependência externa e garantir maior autonomia para o Sistema Único de Saúde (SUS), com investimentos previstos de R$350 milhões em unidades produtivas no Rio de Janeiro.
Já o Fórum Empresarial Brasil-China, que reuniu mais de 700 empresários e autoridades, resultou em anúncios robustos. A montadora GWM investirá R$6 bilhões para expandir suas operações no Brasil, enquanto a plataforma de delivery Meituan vai destinar R$5 bilhões ao mercado brasileiro, com previsão de 100 mil empregos indiretos. A CGN, estatal chinesa de energia, investirá R$3 bilhões em um hub de energia renovável no Piauí, e a Envision liderará a criação do primeiro Parque Industrial Net-Zero da América Latina. Também foram anunciados aportes da rede de bebidas Mixue (R$ 3,2 bilhões) e a aquisição de uma mina de cobre em Alagoas (R$ 2,4 bilhões).
A visita à China reafirmou o compromisso do Brasil com a cooperação internacional e destacou o BRICS como instrumento essencial para enfrentar desafios globais como a mudança do clima e a desigualdade. Para o governo brasileiro, a presença de Lula em solo chinês reforça a disposição do país em ser protagonista da nova economia verde. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, enfatizou que os acordos assinados vão gerar desenvolvimento tecnológico, formação de talentos e instalação de centros de inovação em território brasileiro, com foco em energia solar, eólica e sistemas de armazenamento, uma área ainda carente no Brasil. Também na comitiva, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, destacou que essa visita fortalece uma relação estratégica que, ao longo dos anos, tem se mostrado fundamental para o crescimento e a convergência de interesses entre as duas nações.

Diálogos na Rússia
Antes de desembarcar em Pequim, o presidente esteve na Rússia, onde participou das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial e se reuniu com o presidente Vladimir Putin. A visita foi marcada por diálogos sobre comércio, energia e tecnologia, e reforçou os vínculos com outro parceiro estratégico no âmbito do BRICS.
Durante reunião com o presidente Vladimir Putin, Lula defendeu o aprofundamento das relações comerciais entre Brasil e Rússia. Um dos principais focos das conversas foi o comércio bilateral, que em 2024 atingiu um recorde histórico de 12,4 bilhões de dólares, embora ainda esteja marcado por um significativo déficit para o Brasil – 11 bilhões de dólares em importações contra 1,4 bilhão de dólares em exportações. Dados de janeiro a abril de 2025 mostram que a Rússia ocupou o 41º lugar no ranking de exportações e o 5º nas importações, representando 0,4% e 3,71% da participação total, respectivamente. Os principais produtos exportados para a Rússia foram: carne bovina, tabaco, carnes de aves e café não torrado. (Fonte: Comex Stat / Ministério da Fazenda)
Para reequilibrar essa balança, o governo brasileiro busca diversificar as trocas comerciais, ampliando as vendas de commodities agrícolas, como soja, café e carne bovina, e explorando novas oportunidades em setores estratégicos, como energia, mineração e tecnologia. “Uma boa política comercial é uma via de duas mãos. A gente compra e vende mais ou menos na mesma proporção para que ninguém seja prejudicado”, afirmou o presidente brasileiro.
Cooperação em energia
A cooperação energética foi destaque da agenda em Moscou. Lula apontou o interesse brasileiro em avançar com a Rússia em áreas como reatores nucleares de pequeno porte — uma solução estratégica para garantir segurança energética no longo prazo — e minerais críticos como lítio, cobalto e terras raras, essenciais para a transição energética e para a indústria de alta tecnologia.
Em entrevista em Moscou, o presidente brasileiro ainda destacou que o conflito entre Rússia e Ucrânia foi um dos principais temas discutidos durante seus diálogos com o presidente russo, Vladimir Putin. O Brasil integra um grupo de nações, junto com a China, que formou uma coalizão de países dispostos a atuar como mediadores. "Disse ao presidente Putin que estamos prontos para ajudar nas negociações de paz, desde que ambos os lados do conflito aceitem nossa participação", acrescentou.
Tanto na Rússia como na China, com acordos firmados e diálogos avançados em áreas críticas para o desenvolvimento nacional, o governo demonstrou que busca não apenas equilibrar sua balança comercial, mas também garantir que o país tenha voz ativa na construção de um mundo menos conflituoso e mais cooperativo. Num momento em que as tensões geopolíticas e as guerras comerciais ameaçam a estabilidade internacional, a aposta do Brasil no BRICS é pelo diálogo e a diversificação de alianças tanto como uma escolha política como uma necessidade estratégica do multilateralismo.