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“Nem Ocidente, nem Oriente: Sul Global”, destaca Celso Amorim sobre o BRICS

Assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o embaixador Celso Amorim, em entrevista exclusiva, falou sobre a história da formação do BRICS como um foro de cooperação entre os países do Sul Global.

O diplomata Celso Amorim é um pensador reconhecido internacionalmente e  tem uma extensa carreira na diplomacia brasileira. Crédito: Audiovisual BRICS Brasil.
O diplomata Celso Amorim é um pensador reconhecido internacionalmente e tem uma extensa carreira na diplomacia brasileira. Crédito: Audiovisual BRICS Brasil.

Por Thayara Martins | thayara.martins@presidencia.gov.br

O assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, o embaixador Celso Amorim, tem uma extensa carreira na diplomacia brasileira. Ele estudou no Instituto Rio Branco, centro de formação de diplomatas brasileiros, e concluiu pós-graduação na Academia Diplomática de Viena e na London School of Economics. 

Celso Amorim foi Ministro das Relações Exteriores no Governo do Presidente Itamar Franco (1993- 1994) e do Presidente Lula (2003-2010). Serviu como Representante Permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas, em Nova York (1995-1999) e em Genebra (1991-1993 e 1999-2001), e também foi Embaixador do Brasil, em Londres, entre 2001 e 2002. Desde janeiro de 2023 atua no terceiro governo Lula. 

Entre os diversos prêmios que recebeu como reconhecimento por sua carreira, foi recentemente escolhido pela revista Bravo Business como um dos líderes mais “imaginativos” do continente. Em 2010, integrou a lista da revista Foreign Policy como o 6º entre 100 pensadores globais. 

Em entrevista exclusiva para o site do BRICS Brasil, Celso Amorim conversou sobre a importância de os países em desenvolvimento se unirem em torno de pautas comuns e a relevância de um agrupamento como o BRICS. Ele ressaltou que não existe um caráter antiocidental no foro e citou, inclusive, os acordos do Brasil com países ocidentais, além das oportunidades de cooperação entre os países membros do BRICS nas áreas econômica e financeira e sustentabilidade ambiental. Outro ponto importante abordado pelo diplomata é a importância da reforma da governança global e da compreensão de que não se pode ter uma organização internacional sem a participação ativa dos países em desenvolvimento. Confira a entrevista. 

Como surgiu a ideia de fazer uma articulação entre os países e criar um foro de cooperação a partir de uma sigla criada por um economista? 

Um dia, enquanto eu era presidente de uma organização internacional de saúde, o economista Jim O’Neill era ministro do Tesouro da Inglaterra. Sentei ao lado dele em uma reunião e falei: “poxa, que bom, estou do lado da pessoa que inventou o BRICS”. O economista disse: “sim, sim”. Aí complementei: “mas fomos nós que fizemos”.

Acho que o que está por trás do nosso agrupamento é a noção da necessidade de institucionalização das organizações do Sul Global. Naquela época, não se usava muito essa expressão, mas no início da década de 2000, eu representava o governo brasileiro e o diplomata russo, Sergei Lavrov, realmente me procurou e sugeriu a criação do foro dos BRICS. Quando Lavrov fez essa sugestão, discutimos ali na hora e depois foi evoluindo. Fizemos uma primeira reunião de ministros, mas a primeira reunião de presidentes foi em 2009, em Ecaterimburgo, na Rússia.

"Como é que se pode dizer que o Brasil é contra o ocidente se acabamos de concluir um acordo na área econômica com a União Europeia? Não tem cabimento. Ter uma subordinação a um determinado país líder, isso nós não queremos."

Tenho um amigo, que foi Ministro do Exterior da Grã-Bretanha e hoje dirige uma grande organização não governamental nos Estados Unidos, que me perguntou uma vez: “Celso, por que vocês dão tanta importância ao BRICS?”. Eu respondi: para fortalecer o G20. Parece uma contradição, mas não é.

Por exemplo, todo mundo sabe que a reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) é algo complexo, vai demorar para acontecer. Mas existe a compreensão de que não se pode ter uma organização internacional sem a participação ativa de países em desenvolvimento. Então, se fosse o Brasil sozinho ou mesmo a China, não teria a influência que esse conjunto de países do BRICS tem, aliás, vários deles são membros do G20 também.

É possível elencar alguns momentos marcantes para a consolidação desse grupo?

Eu acho que a primeira reunião presidencial, em 2009, em Ecaterimburgo, na Rússia. Ali, a gente viu que o agrupamento estava formado, inicialmente com uma conotação quase exclusivamente econômica, como tem até hoje, mas mais diversificado em termos de temas. Eu acho que esse é o momento fundamental. Teve também, em 2014, a cúpula em Fortaleza, capital do estado brasileiro do Ceará, que também foi muito importante porque ali houve a criação do Banco do BRICS.

O BRICS se tornou uma plataforma importante para discutir temas globais. Quais os principais avanços do foro para se manter relevante no cenário internacional?

A ideia do BRICS é de um grupo de cooperação entre grandes países em desenvolvimento que podem, inclusive, estudar uma cooperação em energia, na área monetária, e até na área de paz e segurança, que é mais complexa. Isso é muito importante porque mostrou para os grandes países ocidentais capitalistas que eles não podem ditar as regras, podem até ter iniciativas, mas vão ter que discutir conosco.

E eu acho que isso não existia, porque antes o G7 falava e depois o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) iam lá e apenas seguiam. Agora é diferente.

Qual o papel do Brasil na construção de uma ordem internacional mais justa e como o BRICS pode ajudar a fortalecer o Sul Global nesse processo?

Nós podemos fazer uma ponte para fortalecer o papel dos países em desenvolvimento nas áreas de sustentabilidade ambiental; mudança do clima; financeira e econômica, e evitar que sejamos vítimas de manobras financeiras que possam nos prejudicar. Com o BRICS, a gente também não fica dependente de um único país ou grupo de países. Por exemplo, é muito bom que tenha sido concluído o acordo com a União Europeia, mas você não pode ficar só com os países europeus. Sem falar no fato de que a existência do BRICS contribui para o reforço das relações bilaterais entre os países. Nossa relação com a China, por exemplo, aumentou muito porque a China cresceu muito, mas temos hoje uma familiaridade que eu não sei se teríamos se não fosse pelo BRICS.

Eu acho que se você abrir, digamos assim totalmente, quase todos os países em desenvolvimento vão querer ser membros do BRICS. Isso revela a importância que o grupo tem.

Alguns analistas argumentam que há um viés antiocidental no BRICS. O que o senhor pensa sobre esta questão?

O Brasil tem muitos valores ocidentais e também tem uma cultura que se deve aos indígenas, aos africanos, aos imigrantes dos mais variados países, como os japoneses. Acho que o Brasil tem essa mescla que torna o país extremamente atraente. Eu acabei de ler agora um livro do Stefan Zweig, “O tempo em que eu vivi”, tem um capítulo em que o escritor fala sobre como nosso país é aberto a novas experiências, novas culturas, sem criar as dificuldades e as rivalidades que, na época do autor, existiam na Europa. Então, o Brasil acima de tudo é um país que quer defender sua posição e a dos países em desenvolvimento sem agressões.

"BRICS é um grupo de países em desenvolvimento que quer a prosperidade, mas quer a paz também. Acho que a busca principal no mundo que nós estamos vivendo hoje é a busca da paz. Eu acho que o Papa Paulo 6º que disse: 'o desenvolvimento é o novo nome da paz'. O BRICS é o novo nome do desenvolvimento."

E nós tivemos, por exemplo, acordos importantes com os Estados Unidos na área de trabalho e começamos a fazer na área de energia, por outro lado, temos um enorme número de projetos com a China. Não são muitos países que têm essa capacidade de diálogo, haverá alguns, mas não muitos. Como é que se pode dizer que o Brasil é contra o ocidente se acabamos de concluir um acordo na área econômica com a União Europeia? Não tem cabimento. Ter uma subordinação a um determinado país líder, isso nós não queremos. Nem Ocidente, nem Oriente: Sul Global (é o que defendemos). 

E a liderança do presidente Lula, nesse contexto, é indiscutível na questão de conflitos entre países, o presidente Lula é um pacifista ativo e não só em teoria. Ele age para contribuir para a paz. Quantos países tiveram a capacidade de dialogar com a Rússia e a Ucrânia? A pedido do presidente Lula, fui falar com o presidente russo Vladimir Putin. Fiz uma longa viagem, incluindo uma parte de trem dentro da Ucrânia, para falar com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. E nós somos procurados. Somos um país da paz. O Brasil odeia a guerra.  Quantos países nós temos no mundo que têm fronteiras com 10 outros e a última guerra foi há mais de 150 anos? É o caso do Brasil. 

O senhor acredita que o BRICS tem potencial para expandir? E por fim, qual mensagem o senhor gostaria de transmitir sobre a importância do BRICS para o Brasil e para o mundo, especialmente em um momento de tantas incertezas globais?

Acho que o BRICS tem que ter uma abertura e os países em desenvolvimento têm que se sentir representados. Mas operacionalmente não pode se expandir indefinidamente porque, para atuar concretamente em questões importantes, tem que manter uma certa coesão. A gente não pode perder a especificidade do BRICS que é essa capacidade de agir coletivamente e de realizar uma cooperação real. 

Minha mensagem é que o BRICS é um grupo de países em desenvolvimento que quer a prosperidade, mas quer a paz também. Acho que a busca principal no mundo que nós estamos vivendo hoje é a busca da paz. Eu acho que o Papa Paulo 6º que disse: “o desenvolvimento é o novo nome da paz”. O BRICS é o novo nome do desenvolvimento.

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