#01 | Mauricio Lyrio: “BRICS é essencial para o fortalecimento das economias emergentes e o combate às desigualdades”
O embaixador Mauricio Lyrio, designado como sherpa pelo governo brasileiro, vai coordenar a agenda do BRICS até a Cúpula de Líderes. Em entrevista exclusiva, ele detalha algumas das prioridades da presidência brasileira em 2025. Ouça a entrevista e saiba mais. Ouça o podcast e saiba mais.
Por Leandro Molina (leandro.molina@presidencia.gov.br)
O governo do Brasil anunciou que o embaixador Mauricio Carvalho Lyrio será o negociador-chefe do país no BRICS. Ela vai ocupar o cargo de “sherpa” durante a presidência temporária brasileira do grupo. Lyrio, que foi o “sherpa” do Brasil no G20, no ano passado, será responsável pela coordenação e organização da agenda de reuniões técnicas e ministeriais ao longo do primeiro semestre de 2025, que culminará com a Cúpula de Líderes, em julho. A nomeação do embaixador destaca o papel estratégico e a experiência de Mauricio Lyrio nas principais negociações internacionais, com foco em fortalecer a posição do Brasil nas relações multilaterais.
Eu sou o jornalista Leandro Molina e converso com o embaixador e sherpa Mauricio Lyrio, que fala do cenário internacional cada vez mais dinâmico, em que o Brasil tem desempenhado um papel fundamental no fortalecimento das alianças entre economias emergentes.
Repórter: Embaixador, como o senhor passou a ser sherpa do BRICS e qual a conexão com o G20, dois grupos que têm ganhado cada vez mais destaque nas discussões sobre o futuro da economia mundial.
Mauricio Lyrio: Eu sou diplomata de carreira, embaixador, e como secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, que é o Ministério das Relações Exteriores, eu já era encarregado da área de G20 e também de negociações comerciais e financeiras. E nessa condição, fui convidado para assumir como sherpa do Brasil no BRICS, já que nós temos a presidência brasileira do grupo. O BRICS, nesse aspecto, é muito parecido com o G20. Cada país exerce a presidência durante um ano, e agora é a vez do Brasil.
Repórter: O que é o BRICS e qual a função do grupo no cenário global?
Mauricio Lyrio: A política externa brasileira é uma política externa de relacionamento universal. Nós temos bom relacionamento com todos os países e temos participações em grupos de países ricos. Por exemplo, o presidente Lula sempre foi convidado para as reuniões do G7, que é o grupo que reúne os países ricos da América do Norte, da Europa e também o Japão. Então, nós sempre estamos presentes porque o presidente Lula tem sido convidado pela importância do Brasil e pela importância do presidente como estadista. Também temos relacionamentos importantes com países em desenvolvimento, que são os países não ricos, mas que têm um crescimento muito acelerado em termos econômicos no sistema internacional. E o principal desses grupos é justamente o BRICS, que foi criado em 2009, aliás, um ano depois da criação do G20 em nível do que a gente chama de chefe de Estado, de presidente. E desde então tem tido um papel muito importante justamente em articular posições conjuntas dos países em desenvolvimento e reforçar a cooperação nas áreas em que esses países mais precisam. Porque o que é interessante no BRICS é que são países grandes, muitos são potências internacionais, mas ao mesmo tempo tem uma especificidade de problemas que é típica de países como Brasil, China, Índia, Rússia, África do Sul, que são problemas diferentes dos problemas dos países ricos. Então é importante haver essa coordenação e cooperação justamente para que esses países possam compartilhar iniciativas positivas e aprofundar justamente a cooperação para que possam se desenvolver de forma mais intensa. Então esse é o objetivo principal, e o BRICS surge disso. É um grupo que originalmente tinha quatro países, Brasil, China, Índia, e Rússia, isso em 2009, que foi a primeira cúpula. Aliás, o presidente Lula estava na cúpula de Ecaterimburgo, que foi na Rússia a primeira, em 2009. Em 2011 foi incorporada a África do Sul. Por isso que o BRICS tem também o S, porque no BRICS cada país corresponde a uma letra da sigla do BRICS. E no ano retrasado foram incorporados os novos países. Então o BRICS hoje tem, na verdade, 11 países, todos eles importantes no mundo do desenvolvimento e com essa capacidade justamente de aperfeiçoar a cooperação para que todos possam superar os seus problemas de falta de desenvolvimento em várias áreas. Então esse é o propósito principal e o Brasil assume a presidência agora, justamente com esse objetivo de reforçar a vertente de desenvolvimento econômico, social e ambiental, que é uma marca da política externa brasileira, mas que é também uma característica bem própria dos BRICS.
Repórter: A presidência brasileira do BRICS já definiu alguma das suas prioridades?
Mauricio Lyrio: Como em todo agrupamento internacional, a ênfase do Brasil no desenvolvimento social e econômico é muito forte. No G20, nós queríamos uma iniciativa importante para combater a fome e a pobreza, principalmente a pobreza extrema. Então lançamos a Aliança Global Contra a Fome, que, aliás, está indo de vento em popa. A gente já está implementando secretariados, há uma série de iniciativas em relação à Aliança. E, portanto, estamos felizes. Mas todos os países do BRICS já participavam da Aliança Global Contra a Fome, os cinco originais, porque, inclusive, os cinco são integrantes do G20. Então, para o BRICS, o Brasil quis trazer uma nova vertente também da área social, que é muito importante, que é a área de saúde. Então, uma das prioridades do Brasil no BRICS vai ser aprofundar a cooperação na área de saúde, até porque muitas das doenças que afetam nesses países afetam nesses países mais do que outros, porque há doenças de países ricos e há doenças de países em desenvolvimento, ou países mais pobres. Por exemplo, há doenças tropicais negligenciadas. Então, um dos objetivos é centrar nesse tipo de doença que afeta mais os países em desenvolvimento. Isso é uma prioridade. Outra prioridade é a questão da parceria econômica entre os países do BRICS. A gente tem, eu diria, já uma longa história de cooperação na área financeira. Nós temos o Banco do BRICS, que, aliás, foi resultado da presidência brasileira em 2014, ainda na época da presidenta Dilma Rousseff foi criado o Banco, que é o Novo Banco de Desenvolvimento, e que tem justamente a função de dar mais recursos, direcionar mais recursos para a infraestrutura do desenvolvimento, inclusive a infraestrutura verde. Transporte, também área de saúde, área ambiental, área de energia, que é uma área muito importante. Então, o banco foi criado e essa área da cooperação financeira é muito importante. Aprofundar a cooperação na área financeira, também comercial e de investimentos, é muito importante. Mudança do clima é uma questão urgente de hoje, ou seja, os países têm sido afetados de uma forma trágica. Nós tivemos aqui no Brasil as enchentes no Rio Grande Sul, secas prolongadas. Então, isso é uma realidade que está batendo na porta de todos os cidadãos e é preciso combater de forma urgente. Daí, há também o papel do Brasil de liderança e de trazer a COP, que vai ser no segundo semestre, para o Brasil. E um dos temas fundamentais da COP é a questão do financiamento do combate à mudança do clima. Então, a gente vai fazer uma negociação muito intensa no BRICS para que esses países tenham convergência, justamente nos meios, para aumentar os nossos recursos e capacidades no combate à mudança do clima. Inteligência artificial é um tema muito importante, ou seja, é um tema que hoje afeta positivamente ou potencialmente de forma negativa a todos, na questão do emprego, na questão dos riscos, mas também na questão, e é isso, eu diria, das potencialidades muito positivas para a área de saúde, para a área de meio ambiente, para combate ao clima. Então é preciso que os países do BRICS também se coordenem em relação à inteligência artificial para que possam efetivamente não só contribuir para a inteligência artificial no plano global, mas que possam também fazer com que as discussões internacionais de inteligência artificial coloquem no centro da agenda da inteligência artificial a superação dos problemas sociais e econômicos. Para que a inteligência artificial seja também uma forma de reduzir a desigualdade e a pobreza.
Repórter: Sobre boatos de que o BRICS seria um bloco antiamericano, o que o senhor tem a dizer sobre isso?
Mauricio Lyrio: Eu acho que é uma avaliação totalmente equivocada. O BRICS na verdade foi um grupo criado para que nós tenhamos mais um instrumento para o desenvolvimento dos nossos países. Isso ajuda todo mundo, porque foi justamente o crescimento dos países do BRICS que permitiu o aquecimento no bom sentido da economia internacional com efeitos positivos para todos, inclusive os países ricos. Na crise de 2008, o que foi o G20? Na verdade, o G20 foi criado na crise financeira de 2008 porque os países ricos estavam no G7. O G7 era o grupo dos países ricos desenvolvidos. O que eles sentiram que foi muito importante na crise de 2008? Não dava mais para resolver os problemas da economia internacional sem chamar os grandes países em desenvolvimento. Nesse momento, os países do BRICS são incorporados ao G20, e depois se formalizam como BRICS. Então, essa coordenação entre esses países é muito importante. Daí, a cooperação intensa do G7 no BRICS e no próprio G20. Essa visão dicotômica, ou de antagonismo entre um grupo e outro, é errada. Da mesma maneira que o G7 não se fez por oposição aos países em desenvolvimento. É um grupo de países ricos porque eles têm problemas comuns e querem combater esses problemas de uma forma coordenada. Da mesma maneira, países em desenvolvimento têm problemas comuns que outros países ricos não têm e que precisam, esses países em desenvolvimento, justamente aprofundar a cooperação para melhor combatê-los. Então, eu acho que isso é uma visão distorcida do objetivo desses grupos, que, na verdade, ao se ajudarem, ajudam o sistema internacional como um todo. Então, nesse aspecto, mais cooperação entre o BRICS, mais diplomacia no BRICS, inclusive para a área de saúde, para a área de meio ambiente, para a área de comércio, tudo isso ajuda o sistema internacional como um todo, inclusive os países ricos.
Repórter: De que maneira os países do BRICS estão abordando a questão da mudança do clima e quais são as estratégias para financiar iniciativas verdes?
Mauricio Lyrio: Uma discussão fundamental que se iniciou em Baku, na última COP, é a COP anterior à COP que nós teremos em Belém, no Brasil. Uma discussão fundamental que se iniciou lá foi a questão justamente do financiamento, do combate à mudança do clima, porque nós temos um problema grave que é: sim, a mudança do clima está acontecendo em ritmo mais acelerado do que gostaríamos que acontecesse. Na verdade, isso é um problema que tem gerado uma série de catástrofes climáticas. Agora, nós sabemos que a origem do problema é a acumulação de gases de efeito estufa na atmosfera. E isso decorre de processos de industrialização do passado que foram basicamente os processos dos países ricos. Então é natural que no Acordo de Paris haja previsão de que os países ricos, que foram os que mais emitiram CO2, eu diria paguem proporcionalmente pelo dano causado. E como é que se paga? Por meio do financiamento da transição energética dos países em desenvolvimento. Os países em desenvolvimento vão se desenvolver mais, mas não se pode mais fazer ao velho estilo de emissão de CO2, então tem que fazer uma transição verde? Mas quem é que financia isso? Fica só para eles o custo alto quando todos se industrializaram a custos baixos com combustíveis fósseis, então como é que se faz isso? Então é preciso haver um reequilíbrio que é por meio do financiamento. Então esse tema é central da COP. E há uma convergência muito grande entre os países em desenvolvimento do BRICS para que essa conta seja efetivamente paga. Sem menosprezar as responsabilidades que também cabem aos demais países, mas com esse conceito de que há responsabilidades diferenciadas em relação ao clima, porque a origem do problema também tem fatores diferenciados, países que poluíram mais e países que poluíram menos. Então, o BRICS nesse aspecto é central, porque o BRICS tem sido muito ativo no tema, os países têm adotado um compromisso forte com o regime do clima, e, portanto, ter uma posição conjunta dos países do BRICS para a COP, e uma coisa se combina com a outra, porque a presidência brasileira do BRICS acontece ao longo do ano, mas concentrada no primeiro semestre, e nós temos no final ano a COP. Então, esse processo de convergência dentro do BRICS para uma estratégia comum para a COP é muito importante. Então, essa é uma das prioridades da nossa presidência também.
Repórter: Um dos temas que foi destaque no G20 e segue como uma das prioridades do Brasil no BRICS é a inteligência artificial. Quais são as perspectivas do BRICS em relação ao tema ?
Mauricio Lyrio: No caso do G20, nós conseguimos criar uma força-tarefa para tratar do tema. O objetivo do BRICS também é esse, é no sentido mais de que nós tenhamos a capacidade, não só de cooperar em termos de compartilhamento de informações, de tecnologias e assim por diante, mas, mais do que isso, também gerar condições para que a gente possa ter uma governança internacional adequada para o tema. Por exemplo, a questão do clima. Não existia, há décadas atrás, uma governança para lidar com o assunto. Só que é um desafio global. E um desafio global requer a coordenação entre os países, requer uma governança para que os países possam chegar a decisões sobre como melhor coordenar o tema no mundo. E o combate à mudança do clima é um caso típico que requer a coordenação internacional. Também na inteligência artificial é muito importante que os países se coordenem para que ela seja usada da maneira mais positiva possível, inclusive para o combate à mudança do clima, a pobreza e assim por diante, ou na medicina, que é uma das áreas mais avançadas, desenvolvimento de remédios, aperfeiçoamento do atendimento médico, há uma série de possibilidades para a inteligência artificial. Isso é muito importante, mas, ao mesmo tempo, nós temos também que reduzir riscos. Um risco muito concreto é como é que o mercado de trabalho vai ser afetado? Como é que vai ser o processo de substituição de empregos e de que maneira isso tem que ser regulado para não gerar crises sociais e econômicas? Então, esse é um outro tema muito importante. Outro tema, a questão de como fazer com que a inteligência artificial não seja um instrumento adicional de criação de fake news e de distorção do debate público e do debate político numa determinada sociedade. Então, são temas que exigem uma coordenação entre os governos para que tenhamos um desenvolvimento da inteligência artificial que seja mais positivo, em termos de resultados para a sociedade como um todo, do que resultados nocivos tremendos. Então é preciso que os países cooperem mais sobre esse tema e passem a tratar desse tema no âmbito internacional de uma forma mais intensa também.
Repórter: Como o BRICS pode ajudar os países em desenvolvimento a enfrentarem os problemas de saúde?
Mauricio Lyrio: Eu diria que há muita convergência também em relação às prioridades que o Brasil está estabelecendo. Até porque é aquele negócio, há uma afinidade natural na identificação dos problemas. Por exemplo, falava da cooperação e saúde, que é uma prioridade brasileira. Doenças tropicais negligenciadas. A Dengue, chikungunya, malária, zika, lepra. Todas essas doenças têm mais incidência em países em desenvolvimento, que são os principais países do BRICS. Agora, a indústria farmacêutica sempre dedicou mais recursos, e é natural, porque os laboratórios estão nos países ricos, a doenças que são mais típicas dos países ricos. Então, por que não ter um olhar dos países em desenvolvimento para dizer, olha, temos que fazer parcerias justamente para combater doenças que prevalecem em países em desenvolvimento. Por exemplo, tuberculose. A incidência de tuberculose é muito maior em países em desenvolvimento que em países ricos. Então, uma estratégia na área de saúde é aprofundar a cooperação justamente para compartilhar políticas, iniciativas e recursos para combater essas doenças é algo muito importante, é um dos objetivos da nossa presidência. Justamente para aproveitar o fato também de que todos são potências, por exemplo, na área de produção de vacinas. Os países originais do BRICS, né? O Brasil é uma potência na produção de vacinas, China é uma potência, Índia é uma grande potência, Rússia é uma grande potência. Então aproveitar esse potencial, justamente na produção de vacinas, medicamentos e tratamentos, para que haja uma dedicação maior justamente a doenças tropicais negligenciadas e doenças, como a gente chama, de socialmente determinadas, que derivam muito mais da pobreza do que de outras razões. Por exemplo, infecções muito mais frequentes. Então, esse tipo de doença passa a ser um foco principal do BRICS. Eu diria que esse é o núcleo da área social em que a gente tem que avançar mais. Da mesma maneira que a gente avançou dentro do G20, os países do BRICS, dentro do G20, com a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, agora nós temos no BRICS uma tarefa nova, aprofundar a cooperação na área de saúde porque há doenças que são mais incidentes nesses países. Então é preciso destinar mais recursos desses países para essas doenças. Então esse é um claro exemplo de iniciativa em que as afinidades nesses países contam justamente para aprofundar a cooperação.
Repórter: Como o BRICS vê o futuro do comércio e investimentos sustentáveis?
Mauricio Lyrio: Essa é uma área crucial. O BRICS nasceu com essa vocação já de parceria econômica. Tanto que nós fizemos o Banco do BRICS, como eu mencionei, fizemos o acordo de reservas também. Ou seja, a área financeira avançou muito no BRICS. Ao mesmo tempo, os países do BRICS têm hoje, em termos de produto no mundo, eles têm quase 40% da economia mundial. Só do Brasil, a cada três bens que a gente exporta, um vai para um país do BRICS. Ou seja, o nosso comércio exterior já está na faixa de 35% a 37% direcionado ao BRICS. Então é um mercado muito importante, é uma economia muito importante. Mas o que nós precisamos fazer, eu acho que é aprofundar justamente os laços comerciais e de investimentos. Porque em termos de investimento e comércio, no grupo como um todo, ainda o percentual é menor do que a nossa produção econômica como um todo. Então, eu acho que essa área é uma área de muito potencial. Um dos temas é justamente como reduzir custos de comércio entre os países. Então, todas essas iniciativas, eu diria que são fundamentais para que o BRICS possa ter maior peso também na área econômica entre os países por meio do comércio e do investimento. E, naturalmente, no caso do desenvolvimento sustentável, o investimento que tem sido feito justamente em tecnologias verdes é fundamental. Um dos países do BRICS, que é o caso da China, é líder em tecnologia tanto de carros elétricos como de painéis solares. Então é um pouco a vanguarda também no BRICS da tecnologia verde. E isso é importante porque, por meio da cooperação, nós podemos aperfeiçoar as nossas economias no sentido de torná-las mais verdes.
Repórter: Qual é a perspectiva do Brasil sobre o fortalecimento institucional do BRICS e seu impacto nas relações internacionais?
Mauricio Lyrio: Esse é um tema também muito importante para a presidência brasileira, porque o BRICS passou por uma grande transformação, que foi a ampliação. Até 2023 eram cinco países, agora nós somos 11 países, membros plenos. E ainda tem uma categoria de países, estabelecida também agora em 2024, que é dos parceiros, que não são membros plenos, mas, obviamente, tem uma parceria especial com os países do BRICS. Então, a presidência brasileira é uma ocasião importante, justamente para não só fazer um balanço, mas é aquele negócio de aperfeiçoar os métodos do BRICS com base nessa nova composição. Uma coisa é negociar com cinco países, outra coisa é negociar com 11 países. Então, isso exige também um aperfeiçoamento institucional, ou seja, do grupo como um todo, para que a gente possa funcionar da melhor maneira possível. Então, isso é uma prioridade também do Brasil, ou seja, fazer essa transição para um BRICS que agora é ampliado e precisa atualizar os seus métodos, os seus mecanismos institucionais para dar conta desse novo formato.
Repórter: Como o fortalecimento do BRICS impacta diretamente a vida das pessoas?
Mauricio Lyrio: Na vida real, justamente, são os países que sofrem das dificuldades, mas também têm as virtudes de países como o Brasil. E é justamente dessa cooperação que se consegue fazer avanços internos, porque isso é importante dizer, tanto no caso do G20, como no caso do BRICS, ou em qualquer outra iniciativa. No caso, por exemplo, sob a liderança do presidente Lula, finalizamos no ano passado a negociação do acordo Mercosul-Europeia. Todas essas iniciativas da política externa têm o objetivo, claro, que é gerar instrumentos adicionais para o desenvolvimento brasileiro. E o que é o desenvolvimento brasileiro? O desenvolvimento econômico, social e ambiental no sentido do desenvolvimento sustentável como um todo. Agora, isso é a realidade muito concreta das pessoas. Da mesma maneira que o combate à fome é algo que diz respeito diretamente à capacidade das pessoas de terem acesso a alimentos, o combate a doenças como dengue, chikungunya, zika e outras, que são doenças tropicais negligenciadas, é o cotidiano de países como o Brasil, nós tivemos a questão da dengue. Então, trabalhar para superar esses problemas ou ter os meios para melhor combater esses problemas, é algo que a diplomacia é encarregada de fazer por meio da cooperação internacional. Porque justamente em muitas áreas são as iniciativas, atividades, recursos de outros países que podem ajudar os nossos. Da mesma maneira que as nossas atividades podem ajudar terceiros países. E essa cooperação gera muito ganho. Por exemplo, a gente tem no BRICS o Centro de Desenvolvimento de Vacinas, que começou recentemente. Então isso tende a aperfeiçoar a troca, por exemplo, de tecnologias, informações, até de vacinas em si, entre os países, para que a produção seja mais ampla e seja também mais variada, para que esses países tenham mais acesso a vacinas. Então esse é o sentido para o cidadão brasileiro que esse tipo de cooperação não é meramente a produção de discursos, de declarações de linguagem. É mais do que isso. É a criação de resultados concretos para aquilo que mais interessa o cidadão. Pode ser a sua alimentação, pode ser o seu acesso à saúde, pode ser o risco de que seu emprego no futuro seja ameaçado por inteligência artificial, e é preciso que o governo esteja presente nesse tema, ou pode ser também um elemento positivo, ou seja, o uso da inteligência artificial para melhor combater a mudança do clima, que está afetando o cidadão também diariamente. Então, eu diria que todos esses aspectos têm uma relação íntima com a vida do cidadão. Às vezes é difícil traduzir a negociação internacional para atividades mais cotidianas das pessoas, mas isso é uma clara orientação da política externa brasileira, é fazer com que as negociações sejam as mais concretas e diretas para gerar resultados na vida da população brasileira.
Repórter: A presidência brasileira do G20 fez um grande trabalho que resultou na organização do G20 Social. Há oportunidade para a participação social no BRICS, assim como aconteceu no G20?
Mauricio Lyrio: Sim, estamos coordenando isso com a Secretaria-Geral da Presidência da República, que realizou um excelente trabalho no G20, especialmente com o G20 Social, que foi um grande sucesso em participação. Os sherpas também receberam contribuições da sociedade em diversos eventos. Naturalmente isso é sempre uma prioridade do governo brasileiro, que é justamente a capacidade de ouvir melhor, e mais do que ouvir, de interagir mais diretamente com a sociedade em todas as negociações.
Repórter: Para finalizar, o que brasileiros e brasileiras, especialmente, podem esperar do BRICS sob a presidência do Brasil?
Mauricio Lyrio: A mensagem é que, mais uma vez, isso é uma coisa muito importante, o Brasil traz para o seu país uma negociação muito importante, é um grupo muito importante. Isso tem a ver com, eu diria, uma característica do Brasil também, que é a sua capacidade de lidar com todos os países sem conflitos. O Brasil nesse ponto é universal e ecumênico, de uma maneira que poucos países conseguem. E isso tem uma virtude, que é justamente a possibilidade de construir pontes, diálogo, ou seja, desenvolver a diplomacia num momento em que o mundo precisa muito disso. Então, da mesma maneira que nós tivemos uma participação muito grande da sociedade no G20, é também importante a participação da sociedade na presidência brasileira do BRICS, porque isso ajuda não só a fortalecer o governo brasileiro nas suas posições externas, mas também a fazer com que os ganhos decorrentes de uma negociação ou de um grupo como esse se convertam diretamente em benefícios para a população. O Brasil quer um BRICS muito voltado para os interesses da população e nesse aspecto representados, a população é representada por um país que tem essa capacidade também de estabelecer o diálogo entre os mais diversos grupos, ricos, pobres, países tropicais, países de área temperada, ou seja, de vários continentes do mundo. Então, essa capacidade justamente de construir diálogos e consenso, aliás, o consenso e a base de todos esses grupos.
Repórter: O BRICS conta com 11 membros plenos – além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se uniram ao bloco: Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Irã e Indonésia.