PODCAST BRICS BRASIL

#02 | Embaixador Celso Amorim e a história do BRICS: a importância da cooperação do Sul Global e o papel do Brasil na nova ordem internacional

O experiente diplomata brasileiro detalha a formação do grupo, sua evolução e a busca por uma arquitetura mundial mais justa e multipolar. Ouça o podcast e saiba mais.

Por Thayara Martins | thayara.martins@presidencia.gov.br 

Repórter: O conhecido diplomata brasileiro e ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi um dos responsáveis por articular o BRICS, como um agrupamento de países dedicado à cooperação, depois que o economista Jim O'Neill criou o termo em 2001 para descrever as economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China. Olá, eu sou a jornalista Thayara Martins do podcast BRICS Brasil e converso agora com o assessor chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, o Embaixador Celso Amorim.

Embaixador, o senhor poderia contar um pouco da história do início do BRICS durante o primeiro mandato do presidente Lula e também da participação do Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov? 

Celso Amorim: O termo BRICS tinha sido já usado por um economista do Goldman Sachs, chamado Jim O'Neill, falando das grandes economias em desenvolvimento. Ele não incluía África do Sul. O que nós fizemos, o governo Lula fez, nós, digamos assim, já acreditávamos numa multipolaridade, já acreditávamos no Sul global, antes que os nomes tivessem sido, digamos assim, elaborados e discutidos. O Lavrov realmente me procurou e sugeriu a criação do foro BRICS Mas se você for ver, essa ideia, sem o nome BRICS, está presente no discurso de posse do presidente Lula. Ele dedicou, sei lá, uma página e meia à política internacional. É fortalecer a cooperação entre os grandes países em desenvolvimento. Então, na verdade, quando o Lavrov fez essa sugestão, era mais a criação de um foro, para discutir ali na ONU. Aquilo foi evoluindo, depois fizemos uma primeira reunião fora da sede da ONU, mas de ministros e a primeira reunião mesmo de presidentes foi em 2009 em Ecaterimburgo, quando também já havia sido criado o G20. Então o BRICS teve um papel muito importante também nesse processo de redefinição da arquitetura política mundial. 

Embaixador, como o BRICS tem contribuído para construir uma ordem internacional mais justa e fortalecer assim a voz do Sul Global? E qual o papel do Brasil nesse processo?

Celso Amorim: Essa ideia de um grupo de cooperação entre grandes países em desenvolvimento que podem inclusive estudar cooperação em energia, na área monetária e muitos outros assuntos, até aí na área de paz e segurança é mais complexo, mas também o BRICS tem uma importância na discussão dos temas. Isso é muito importante, porque isso mostrou para os países ocidentais, capitalistas ocidentais, essencialmente os países grandes, que eles não podem ditar as regras. Eles podem até ter iniciativas, mas vão ter que discutir conosco. E eu acho que isso não existia antes. Antes o G7 falava, fazia, falava, aí depois o FMI e o Banco Mundial apenas seguiam o que eles tinham discutido. Então, digamos, fazer essa ponte, fortalecendo o papel dos países em desenvolvimento, evitar que digamos nós sejamos vítimas de manobras financeiras que nos prejudicam, tudo isso eu acho que é muito positivo. Você não ficar dependente de um a único país ou de um único grupo daí, mas sem ser uma organização militar ou militarista. Às vezes eu vejo assim a OTAN e o BRICS. Não tem nada a ver. Não é contra, é a favor das suas teses e das suas reivindicações. O Brasil tem uma característica especial, que é a capacidade de dialogar com todos os setores e com vários países. O acordo que a gente acabou de fazer com a União Europeia, Mercosul-União Europeia, demonstra essa capacidade. Então, dentro do BRICS também, nós temos uma capacidade de diálogo com certos países da Europa Ocidental, por exemplo. O Brasil tem muitos desses valores ocidentais, mas o Brasil tem uma cultura também que se deve ao afro, se deve ao indígena, se deve a imigrantes dos mais variados países, japoneses, que fisicamente não são ocidentais. Então, eu acho que o Brasil tem esse amálgama que torna o país extremamente atraente. Eu acabei de ler agora um livro do Stephen Zweig, “O tempo em que eu vivi”. Mas tem um capítulo pequeno falando do Brasil e como ele vê esse potencial, esse país aberto sem criar as dificuldades e as rivalidades que na época dele existiam na Europa. Mas o Brasil é acima de tudo um país que quer defender a sua posição, quer defender a posição dos países em desenvolvimento, sem agressões, sem militarismo. É isso, eu acho que o Brasil tem realmente uma voz muito grande. 

Embaixador Celso, o senhor é a favor da expansão do grupo para mais países? 

Celso Amorim: Olha, eu acho que o BRICS tem que ter uma abertura e digamos assim, o Sul Global tem que se sentir representado pelo BRICS. Mas operacionalmente eu acho que ele não pode se expandir indefinidamente, porque senão ele vai virar o que é hoje o G77, que teve sua importância histórica, sem dúvida. Mas para você atuar concretamente em questões importantes, eu acho que você tem que manter uma certa coesão. Então, acho que você tem que equilibrar essas duas coisas. Acabamos de admitir a Indonésia como membro pleno, mas também a gente não pode perder a especificidade do BRICS, que é essa capacidade de agir coletivamente, de realizar uma cooperação real e não uma coisa teórica. 

Embaixador, alguns analistas dizem que o BRICS é um grupo anti-ocidente. O que o senhor pensa dessa avaliação? 

Como é que se pode dizer que o Brasil é contra o ocidente se nós acabamos de concluir um acordo com a União Europeia na área econômica? Não tem cabimento. Isso aqui é uma obsessão de que você tem que ter uma subordinação a um líder, a um país líder determinado. Isso nós não queremos. Nem ocidente, nem oriente, Sul Global. O BRICS é um grupo de países em desenvolvimento que quer a prosperidade, mas que é a paz também. E eu acho que a busca principal no mundo que nós estamos vivendo hoje é a busca da paz. Uma paz que seja dinâmica. Já a igreja em bulas e encíclicas, eu acho que é o Paulo VI que disse que o desenvolvimento é o novo nome da paz. O BRICS é o novo nome do desenvolvimento. 

Repórter: Eu conversei com o embaixador Celso Amorim, que é assessor-chefe da assessoria especial do presidente da República. Eu agradeço a sua participação, embaixador. E agradeço também a você que nos ouviu. Quem tiver interesse em saber mais sobre os temas do BRICS, acesse brics.br. Tchau, e até o próximo programa.