#03| Economia do BRICS em pauta com a embaixadora Tatiana Rosito
A embaixadora e secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda aborda questões econômicas relevantes para o BRICS, como comércio em moeda local, nova revolução industrial e Banco do BRICS. Ouça o podcast e saiba mais.
Por Thayara Martins | thayara.martins@presidencia.gov.br
Repórter: Olá a todos, começa agora mais um episódio do Podcast BRICS Brasil. Eu sou a jornalista Thayara Martins e hoje converso com a embaixadora Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. Embaixadora, alguns estudiosos dizem que nós estamos vivendo uma revolução que é a convergência da tecnologia digital com a física e a biológica também, que traz questionamentos éticos e grande impacto na vida das pessoas. E, diante disso, a gente sabe que o BRICS tem a Parceria BRICS para a Nova Revolução Industrial. Eu queria que a senhora explicasse um pouco o que é essa parceria e como ela funciona? Como vocês estão debatendo esse tema dentro do Brics?
Embaixadora Tatiana Rosito: Eu acho que ela toca em pontos assim fundamentais para o BRICS. E ela é, especificamente na trilha financeira do BRICS, ela tem algumas interfaces bastante interessantes. Uma delas é a questão do uso da inteligência artificial e a segurança da informação. Essa é uma das prioridades gerais da presidência brasileira do BRICS. E ela também encontra ramificações, por exemplo, no trabalho que vai ser desenvolvido para dialogar e aprofundar o conhecimento sobre os impactos da inteligência artificial para a estabilidade financeira mundial. Como esses impactos, tanto positivos ou também os riscos que o maior uso da inteligência artificial pode causar para esses sistemas financeiros. Então, esse é um tema que vai estar bastante presente na nossa trilha. Para além disso, acho que também é importante lembrar que várias dessas novas tecnologias também apresentam oportunidades e riscos para o comércio, para os investimentos tanto de bens quanto de serviços. Também apresentam oportunidades para nós construirmos sistemas de pagamento que possam ser mais integrados, ter menos barreiras, menos custos, que sejam mais ágeis para facilitar ainda mais o comércio e o investimento entre os países.
Repórter: Embaixadora, semana passada, eu estava entrevistando uma fonte aqui do Ministério do Meio Ambiente e ele me apresentou um estudo durante a entrevista que foi escrito por vários estudiosos e que seriam necessários valores na casa de trilhões de dólares para lidar com o desafio da mudança do clima. Então, a gente gostaria de saber o que está sendo pensado nesse tema de financiamento climático dentro do BRICS?
Embaixadora Tatiana Rosito: Em relação a esse tema importante, a presidência brasileira propôs que o BRICS tratasse de novos instrumentos para ampliar o financiamento climático e também que o BRICS dialogasse com vistas a uma convergência em relação à COP30, que vai se realizar no Brasil em novembro. Você tem razão. Estima-se que o mundo para a transição, para a descarbonização e para chegar no Net Zero em 2050 para muitos países, em 2060 para outros, nós precisamos investir trilhões e muitos desses trilhões nos países emergentes em desenvolvimento, onde a transição energética é fundamental para a continuidade do crescimento econômico, mas onde também nós temos um grande potencial para fazer essa transição. E o Brasil é um exemplo muito claro disso, com o seu potencial na área de novas energias. Então, nós pensamos que vários desses investimentos em novas tecnologias, por exemplo, na área de hidrogênio verde, na área de aço verde, mesmo energia solar, eólica, que já estão muito mais incorporadas aos investimentos globais, são áreas em que o Brasil e também os países do Sul Global têm grande potencial, inclusive como oportunidades para novos ciclos de investimento, de crescimento econômico e de geração de emprego. Mas para isso é preciso mobilizar mais financiamento. Muitos desses novos investimentos dependem de uma combinação mais positiva em termos de recursos privados, públicos e de recursos concessionais. Muitos do que nós chamamos de blended finance, são finanças que misturam recursos do setor público, de investimentos privados, de bancos multilaterais, de fundos voltados para o financiamento climático, de filantropias. Então nós vamos continuar apoiando o desenvolvimento desses instrumentos, notadamente, para infraestrutura resiliente. Aquela infraestrutura capaz de fazer com que os nossos países possam passar com menos danos aos seus territórios e suas populações. Outra área específica que nós estamos trazendo para o debate é a criação de novos instrumentos de garantia, um instrumento de garantia multilateral do BRICS para investimentos de longo prazo também na transição energética e na transformação ecológica. Uma terceira prioridade, liderada pelo Banco Central, é ampliar o entendimento sobre os impactos dos riscos climáticos para os sistemas financeiros globais e, em particular, para os sistemas nacionais. E nós também vamos nessa área de financiamento climático, é uma das grandes entregas previstas para a COP30, que vai se realizar em Belém, é a entrega do roteiro Baku-Belém para a mobilização de 1,3 trilhão de recursos, sobretudo de países desenvolvidos, tanto públicos quanto privados, para apoiar os países em desenvolvimento na transição climática. E nós vamos também buscar construir convergências entre os membros do BRICS para apoiar esse esforço da COP.
Repórter: E agora vamos conversar um pouco sobre o Arranjo de Reservas para Contingências. Gostaria que a senhora explicasse mesmo o que é esse arranjo e como ele funciona. O que está sendo pensado para aprimorar esse arranjo?
Embaixadora Tatiana Rosito: Vamos aqui voltando às origens do arranjo, né? Deixa eu lembrar que competiu ao Brasil, em uma das suas presidências prévias do BRICS em 2014,criar dois, acho que, dos principais instrumentos concretos do BRICS para contribuir para um sistema financeiro e monetário internacional mais inclusivo e com maior participação dos países emergentes e em desenvolvimento. Então, o Acordo Contingente de Reservas é um instrumento complementar ao Fundo Monetário Internacional, que serve para os países BRICS se apoiarem em casos de dificuldades no balanço de pagamentos. Países que tenham falta de moedas fortes para fazer o seu comércio e seus investimentos internacionais, um país poderia ajudar os outros, acionar esse instrumento, que então muito rapidamente forneceria recursos para que esses países se auto apoiem. O que aconteceu desde então é que esse mecanismo ainda não foi utilizado. Portanto, esse Arranjo Contingente de Reservas, ele agora está sendo revisto, já desde o ano passado, e nós esperamos, isso é um tema que é levado pelos bancos centrais, e nós esperamos que a conclusão dessa revisão possa se concluir na presidência brasileira. Também promove, isso tem sido cada vez mais importante, instrumentos concretos, não é, de cooperação. E nós entendemos que há um longo caminho ainda a ser percorrido nessa área, inclusive para facilitar mais comércio e investimento entre os países do BRICS. Portanto, há um caminho ainda grande a ser percorrido, sendo que grande parte desse comércio intra-Brics ainda ocorre entre cada um dos países e a China. Então há um caminho enorme a percorrer também para que o comércio intra brics possa crescer cada vez mais.
Repórter: A senhora acha que o uso das moedas locais poderia facilitar esse comércio intra brics? Quais são os benefícios de se utilizar comércio em moeda local?
Embaixadora Tatiana Rosito: O comércio em moeda local, uma maior utilização de moedas locais para facilitar comércio e investimento, é algo que já vem ocorrendo. Por exemplo, entre o Brasil e a China, já ocorre.Não há nenhuma barreira do ponto de vista brasileiro para que ocorra. Em geral, a utilização das moedas locais é mais dificultada por uma questão de custos. É muito mais fácil você usar as principais moedas, que têm mais liquidez no mercado. Então, foi um objetivo do BRICS ampliar a utilização de moedas locais naquilo que for reduzir custos e que for interessante para os países do BRICS, que for positivo para importadores e exportadores. Esse é também um objetivo perseguido pelo novo Banco de Desenvolvimento, o Banco do BRICS, que tem o objetivo na sua estratégia de ter até 30 % do seu financiamento em moedas locais. Portanto, é algo cujas discussões já vêm ocorrendo e se ampliam gradualmente.
Repórter: Eu tinha um professor de economia na faculdade que falava assim, “Thayara, não existe almoço grátis. A gente na economia sempre olha custo-benefício”. Então, é um debate interessante esse e eu acho que a senhora explicou muito bem. Inclusive, minha próxima pergunta puxa para o Banco do Brics. Como a senhora acredita que ele pode contribuir para a reestruturação da ordem econômica global? O Banco pode ajudar nesse fortalecimento entre os países do Sul Global?
Embaixadora Tatiana Rosito: Eu acho que o Banco do BRICS é certamente um dos principais resultados concretos da cooperação entre o BRICS. De fato, ele simboliza a vontade do BRICS de participar ativamente da transformação da ordem econômica financeira e contribuir para que ela seja mais inclusiva e para que ela possa levar em conta os interesses desses países. Como se diz, o Banco do BRICS é um banco de países emergentes ou do Sul Global para outros países emergentes. Então, é um banco que usa, por exemplo, os sistemas de países. Ele utiliza a legislação local para guiar os seus investimentos. Ele utiliza a demanda dos países, ou como dizemos demand driven, e também se baseia não por regras só próprias dos bancos, mas tem como um dos grandes elementos a própria legislação dos países. No caso da legislação social, ambiental, ele respeita a legislação de cada país, ao contrário das instituições tradicionais que muitas vezes têm suas regras próprias. Então, é uma instituição que é parte da família mais ampla dos bancos multilaterais de desenvolvimento, mas que também pretende contribuir com o olhar de um novo banco de desenvolvimento. Ela permite que os países construam sinergias entre si, que compreendam, inclusive por serem os acionistas principais dos bancos, que os desafios específicos desses países e as suas políticas possam ser melhor levados em conta no exercício dos financiamentos e que ele possa ser cada vez mais um agente transformador em prol do desenvolvimento desses países.
Repórter: Com relação à sociedade civil, qual é a importância para a trilha financeira de acolher a sociedade civil e seus debates este ano na presidência brasileira?
Embaixadora Tatiana Rosito: Olha, eu acho que é muito importante promover esse diálogo com a sociedade civil, um diálogo prévio, não somente informar a sociedade civil dos debates ocorridos no âmbito governamental, mas, pelo contrário, e construindo esses debates também com base no diálogo com a sociedade civil. Nós vamos ativamente promover esse diálogo através de alguns encontros virtuais que o Ministério da Fazenda e o Banco Central promoverão com a sociedade civil.Nós acreditamos que isso fortalece o BRICS, fortalece a agenda da presidência brasileira e fortalece o papel do BRICS como uma força transformadora. No momento em que o multilateralismo se encontra muitas vezes sob ataque, nós acreditamos que o BRICS, como um grupamento que tem se ampliado, que mostra o poder de atratividade,ele se encontra num momento bastante especial. A presidência brasileira ocorre num momento de construção e de fortalecimento dessa narrativa e de fortalecimento institucional dos BRICS. Eu acho importante, Thayara, frisar que a presidência brasileira do BRICS ocorre num momento de ampliação desse grupamento. É a primeira vez que todos os países do BRICS ampliado participarão de todas as reuniões técnicas previstas. É um momento de fortalecimento do agrupamento BRICS como uma plataforma de diálogo, de concertação e de cooperação que defende o multilateralismo. Uma plataforma não antagônica a nenhum grupo. Então, promover esse espaço é muito importante e ajuda a construir essa narrativa de um BRICS ampliado e fortalecido como uma força transformadora é fundamental.
Repórter: Embaixadora, muito obrigada.
Embaixadora Tatiana Rosito: Obrigada a você, Thayara, é um prazer.
Repórter: Muito obrigada a todos os ouvintes.Até o próximo Podcast BRICS Brasil.