#05 | Conselho de Think Tanks entrega recomendações prioritárias ao sherpa brasileiro do BRICS
Luciana Servo, presidenta do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apresentou os destaques do relatório de recomendações dos Think Tanks entregue ao embaixador brasileiro Mauricio Lyrio. Ouça o podcast e saiba mais.
Reportagem Franciéli Barcellos de Moraes / francieli.moraes@presidencia.gov.br
Repórter: Em reunião realizada em Brasília, a coordenação do Conselho de Think Tanks do BRICS entregou oficialmente ao embaixador Mauricio Lyrio, sherpa brasileiro, o documento de recomendações alinhado aos seis eixos prioritários da presidência brasileira. O relatório, elaborado com contribuições de cerca de 15 instituições, consolida as melhores práticas e evidências para orientar as discussões do grupo. Eu sou a jornalista Franciéli Barcelos e no podcast de hoje eu converso com a presidenta do IPEA sobre o Conselho de Think Tanks do BRICS. Presidenta, eu vou pedir que a senhora se apresente por favor, e nos diga qual o papel do IPEA neste processo.
Luciana Servo: Eu sou Luciana Servo, estou presidenta do IPEA há dois anos. Sou técnica de planejamento e pesquisa no IPEA. O IPEA, lidera os conselhos de Think Tanks, tanto o conselho, que a gente chama de BTTC, que é o BRICS Think Tanks Council, que é o conselho de fato de Think Tanks, e o BTTNF que é da trilha de finanças. Então o IPEA é uma instituição que está representando o governo e liderando esses dois conselhos.
Repórter: Tanto para quem acompanhou os trabalhos de vocês no G20 no ano passado e agora acompanha o trabalho no BRICS, a expressão de Think Tanks se tornou mais comum. Mas para quem não conhece, como que a gente pode definir o que são Think Tanks?
Luciana Servo: Vou pegar pelo próprio IPEA, que é uma instituição que faz parte da estrutura de governo brasileiro e a sua função é produzir conhecimento, pesquisas e estudos para apoiar as decisões do Estado brasileiro. Junto com isso, você começa a produzir essas evidências para basear políticas públicas. Então, a maioria dos Think Tanks do mundo, governamentais ou não, eles vão fazer essa função de produzir conhecimento, trabalhar diálogos em torno de temas relevantes, estratégicos, para apoiar os seus governos tanto nas políticas nacionais quanto nas discussões internacionais. Então, são instituições, em geral, de pesquisa, que trabalham a partir dessa elaboração de pesquisas e evidência, mas que, ao contrário de uma instituição de pesquisa clássica, ela tem essa função de diálogo com políticas públicas e decisões estratégicas, seja dentro do Estado brasileiro, seja em diálogo, por exemplo, com setor privado e outras instâncias decisórias.
Repórter: Como você comentou anteriormente, o IPEA preside esse ano tanto o Conselho quanto a Rede de Think Tanks de Finanças do BRICS. Como esses mecanismos se diferenciam e onde que eles se encontram?
Luciana Servo: O BTTC, que é esse conselho mais amplo, ele vai trabalhar vários temas. E primeiro, ele é o primeiro a surgir. Ele foi proposto durante a presidência da Rússia, e ele começa a ser trabalhado e começa a se reunir a partir de 2013 para discutir, a partir da produção de conhecimento, a partir do diálogo entre Think Tanks, propostas para serem levadas, recomendações para serem levadas para as instituições, para a presidência do país daquele ano. É importante entender que, assim como o G20, as presidências do BRICS são rotativas. O Brasil está, este ano, presidindo, e no ano que vem será outro país. O ano passado foi a Rússia. Então, o que esses Think Tanks fazem? A partir da sua trajetória de diálogos, eles vão produzir recomendações para apoiar a presidência daquele país, mas principalmente uma discussão com as lideranças de governo. No caso do BTTC, ele dialoga porque a gente chama de trilha Sherpa. Para quem esteve no G20, a gente também teve uma trilha Sherpa do G20 o ano passado, liderada pelo Itamaraty. Esse é a mesma coisa. O Itamaraty, através de CGBRICS, a coordenação geral do BRICS, lidera a trilha Sherpa e é com o BTTC que se estabelece um diálogo. O BTTNF é um mecanismo muito recente. Ele foi proposto há pouco tempo, ele foi proposto durante a presidência da China, mas passou, começar a se pensar no ano passado e é a primeira vez que os Think Tanks do BTNF de fato estão se reunindo. Então, o BTNF, que é a rede de finanças ou de Think Tanks de finanças, ela vai discutir temas mais afetos à discussão de economia, de finanças, ou seja, mais focado nesses temas. E esse conselho de Think Thanks de Finanças está começando um diálogo a partir da presidência brasileira para discutir como nós vamos trabalhar, quais vão ser os mecanismos que gente vai trabalhar. Dialogando em torno das prioridades também da presidência brasileira na área de finanças, com um diálogo mais próximo com o Ministério da Fazenda e com o Banco Central, para também produzir insumos, nesse caso vão ser muito mais estudos do que recomendações que possam apoiar a presidência brasileira durante esse processo. Mas, uma vez que esse mecanismo começa a funcionar, a tendência é que ele também passe a funcionar como o BTTC, que as reuniões passem ser anuais, em que, em algum momento, também ele possa fazer recomendações na discussão de finanças. Então, para além dos estudos que esses Think Tanks podem produzir conjuntamente, a ideia é que eles apoiem as discussões que estão sendo feitas. Mas o BTTNF é um mecanismo muito recente.
Repórter: Quais são os principais destaques dessas recomendações do Conselho que foram entregues ao embaixador Mauricio Lyrio?
Luciana Servo: Acho que a primeira coisa que a gente tem que destacar é o fato de, apesar ainda da presidência brasileira do BRICS durar um ano, ela começou em janeiro e vai até o comecinho do ano que vem, a ideia é que a gente produzisse essas recomendações da trilha do BTTC, para diálogo com essa trilha Sherpa, até agora em abril, para que ela pudesse subsidiar as discussões das reuniões de líderes. Nesse sentido, uma coisa fundamental é como você consegue construir consensos rapidamente entre esses Think Tanks para produzir essas recomendações em um prazo muito curto. Então esse é um destaque, nós conseguimos fazer dois momentos. O IPEA liderou uma discussão com os Think Tanks nacionais, com instituições nacionais que conhecem BRICS, entendem os temas das prioridades brasileiras, para produzir um primeiro documento, que foi o documento de base para negociação com esses Think Tanks que compõem o BTTC. A partir disso, você começa um processo de diálogo e construção de consensos com esses outros seis Think Tanks, além do IPEA, para que você possa produzir recomendações que dialoguem com as prioridades da presidência brasileira. E esse processo foi muito rico, muito rico. Houve uma aceitação grande do primeiro documento que foi entregue. Mas os refinamentos, apesar de terem acontecido num prazo de 11 dias de trabalho intenso do IPEA , na coordenação, na liderança da nossa diretoria internacional, nesse processo de liderança, da participação das outras diretorias, no primeiro momento das oficinas, o resultado é que conseguiu-se chegar a recomendações muito densas e importantes que foram entregues ao embaixador Mauricio Lyrio, que é o sherpa do BRICS, e é o primeiro grupo que faz essa entrega. Então conseguiu-se produzir as recomendações e conseguiu-se fazer essa entrega que vai subsidiar os diálogos que o MRE vai fazer com os outros líderes da trilha Sherpa.
Repórter: Você comentou que são outros seis Think Tanks que participam. Como é o ingresso no Conselho? Como é que funciona essa participação?
Luciana Servo: Os Think Tanks, assim como o IPEA, são indicados pelos seus governos. Isso diferencia, por exemplo, o T20, que foi liderado pelo IPEA no ano passado, do BTTC. O IPEA é um representante do governo brasileiro nesse conselho. Assim, são os outros Think Tanks dos outros países. Apesar de serem representantes do governo, a ideia é que esses Think Tanks, como Think Tanks, tenham autonomia para discutir recomendações, fazer estudos e entrar em diálogos. Mas, de fato, o processo passa por uma indicação dos governos. Esse processo, inclusive, agora com os novos países, ele passa por um diálogo para pensar quem são os Think Tanks que vão ingressar, mas eles também vêm como representação dos seus governos.
Repórter: Esse é o primeiro ano que o Brasil preside o BRICS após a expansão do grupo, com países membros e países parceiros. Como o IPEA e o Conselho lidaram com esses novos países? Como eles participaram das discussões?
Luciana Servo: A primeira coisa que você faz quando você tem um membro que acabou de chegar em qualquer lugar é mostrar para ele e introduzir ele no mecanismo. Então, um dos papéis do IPEA foi como é que a gente vai apresentar junto com os outros Think Tanks para esses países o funcionamento do BTTC. Então, ao entrar em novos países, no caso, no BTTC, que participaram em Irã e Etiópia até o momento, eles vêm e são apresentados no processo de diálogo de funcionamento, como é que você espera que seja feito o diálogo. Uma vez feito, eles são membros, então eles passam a fazer parte da discussão, assim como os países que já vinham há muito tempo. Então, além dos países que já participavam do BRICS, que já vinham dialogando há algum tempo em torno dessa agenda, esses novos países entraram e fizeram, inclusive, recomendações, no caso da Etiópia participou de todo o processo de negociação, no caso do Irã, enviou recomendações para uma participação, mas é um processo de interação que vai sendo construído ao longo do tempo. E é fundamental que o IPEA seja um facilitador desse processo de introdução desses novos Think Tanks no Conselho de Think Tanks.
Repórter: Desde a segunda reunião do BRICS, que na época ainda era BRIC, aqui no Brasil, lá em 2010, já consta no documento final um agradecimento à participação dos Think Tanks. Em 2013, há mais de dez anos, é criado o Conselho. Os Think Tanks hoje são uma das instituições com uma melhor manutenção e legitimidade no eixo do People to People de participação da sociedade civil do BRICS. O que se deve a uma inserção tão qualitativa na participação da agenda do grupo?
Luciana Servo: Além do BTTC, a ter um chamado Fórum Acadêmico do BRICS. Esse fórum é um conselho de especialistas que vão discutir mecanismos e questões estratégicas nos países do BRICS antes mesmo do BRICS existir. Você já tinha diálogos na área de relações diplomáticas e você tem esse conselho de especialistas, que a gente chama de FABRICS — Fórum Acadêmico do BRICS, começa a se reunir só no ano seguinte, que começa a ter um BRICS formalmente constituído. Então você já tinha uma experiência de colocar especialistas para dialogar e aportar conhecimento. Era natural que algum tempo depois se formalizasse esse mecanismo, de chamar essas instituições para prover, informar com evidências, informar com conhecimento sobre políticas públicas esse processo de negociação. Qual é a grande vantagem? Os Think Tanks não são decisores de políticas públicas. Então, num processo de geopolítica complexo, reunir instituições que têm por base o conhecimento, mas ao mesmo tempo que têm possibilidade de dialogar com seus governos, também ajuda a que esses governos estabeleçam diálogos mais consequentes entre eles. Não em todos os processos, porque os governos têm outros procedimentos, mas certamente esse processo de construção ao longo do tempo, de diálogos entre Think Tanks de diferentes países que também dialogam com seus governos, ele é fundamental para o avanço, a consolidação deste bloco. Esse eu acho que é um processo que é muito relevante, que a manutenção de um histórico, com todas as mudanças geopolíticas, mudanças de governos, esses Think Tanks vão mantendo a memória desse processo e vão ajudando os seus próprios países, a sua diplomacia, os seus gestores, as suas presidências, no diálogo, porque eles já estabeleceram mecanismos de diálogo entre eles.
Repórter: Uma vez que foi realizada a entrega desse documento ao sherpa brasileiro, o IPEA ainda deve promover novas agendas no escopo do BRICS até julho, que é quando acontece a cúpula, e se sim, quais?
Luciana Servo: Um dos que eu citei é esse Fórum Acadêmico do BRICS. Esse é o primeiro mecanismo que é criado. Vai acontecer uma reunião aqui em Brasília, no Serpro, dos Think Tanks que compõe tanto o BTTC quanto o BTNES para discussões ainda, continuidade das discussões do tema, aprofundamento das discussões dos temas que interessam para a agenda do BRICS. Esse fórum acadêmico acontece nos dias 25 e 26 de junho aqui em Brasília. Neste momento, além das discussões dos painéis, também a gente forma uma discussão com as próprias instituições de governo, com as instituições acadêmicas que estão no Brasil, instituições que os outros Think Tanks trazem para o Brasil, e se forma uma rede maior do que essa rede de 15 Think Tanks que compõem os conselhos. Então é o momento também de você trazer outras institucionalidades, outros especialistas, outros representantes do governo para um diálogo em torno do BRICS. Então é um momento não só dessa produção em diálogo sobre os conhecimentos gerados, das recomendações, mas também de ampliar o conhecimento sobre esse bloco. Para além disso, como eu disse, a presidência do BRICS continua ao longo do ano. Então a gente tem uma série de agendas de continuidade, de discussões dos mecanismos, discussões da governança, discussão sobre outros fóruns que estão acontecendo, como a própria COP30, qual a interação do BRICS com a COP30. E as agendas que são de interesse do BRICS, a gente pode trabalhar no que a gente chama de estratégias de implementação para algumas das recomendações que foram feitas avançando e aprofundando nesses processos. Então é um processo que, apesar das recomendações terem sido entregues agora, ele continua com esse diálogo na presidência brasileira, mas também depois. E vai se formando um processo de negociação, de acúmulo de estruturas para que a gente possa, de fato, trazer efetividade para o que a gente está dialogando.
Repórter: No dia 24 de abril acontecerá no Rio de Janeiro a segunda reunião de Sherpas, que de forma inédita, também replicando um feito do G20, a sociedade civil estará convidada a participar em um momento da reunião. Qual a importância para os institutos de pesquisa um momento como esse, de sentar à mesa junto com o Sherpas do BRICS?
Luciana Servo: Nesse momento, o IPEA estará lá, representando esses Think Tanks do BTTC, apresentando as recomendações no seu processo. E eu acho que esse é um momento muito relevante, que primeiro é um momento que você está entregando não só como gente fez aqui para a presidência brasileira, mas para todos os representantes dos outros países do BRICS. Estarão ouvindo as recomendações, avaliando quanto aquelas recomendações dialogam com aquele processo que eles estão fazendo para fazer as entregas na declaração de líderes em julho. Então é o momento de você ampliar a incidência dessas instituições junto ao Sherpas. Mais do que isso, nós, durante o G20, aprendemos que esse é um processo de você também criar mais legitimidade nesses blocos. Se você traz os vários mecanismos, as várias instituições, os vários grupos que estão aportando para o diálogo durante a presidência do BRICS, você também mostra a esses diferentes grupos como é eles podem dialogar entre si, como é que eles podem internacionalizar essa agenda nos seus países para além do que está acontecendo naquele momento. Então tem um processo que eu estou chamando de conhecimento e legitimação do BRICS e não necessariamente da presidência, de uma presidência ou de outra, mas de como é que isso de fato é um processo importante para o nosso país. Por que o BRICS é importante para o Brasil? Por que fazer parte do BRICS é importante para o Brasil? Por que eu ter as recomendações ouvidas pelos Sherpas é importante? Por que ouvir as recomendações dos outros grupos do People to People é importante? Então é um momento de diálogo muito relevante, é um momento de diálogo que qualifica o debate entre os grupos, mas também qualifica o debate com o Sherpas, o debate ou as entregas para o conjunto de Sherpas que vão, depois, dialogar sobre as recomendações que serão feitas pelos líderes.
Repórter: Para finalizar, o que você poderia acrescentar sobre o trabalho do Conselho de forma mais ampla sobre a entrega realizada ao sherpa brasileiro?
Luciana Servo: Eu acho que a gente teve entregas muito efetivas, passíveis de implementação. O BRICS tem alguns mecanismos que já vêm sendo propostos há muito tempo. E esses mecanismos, ao se tornarem efetivos, reforçam as agendas no nosso país. Exemplo, a agenda de saúde global é uma agenda muito importante, não só desde a pandemia, ficou muito evidente, mas com possibilidade de cooperação para o desenvolvimento desse grupo de países do BRICS, mas também para a própria agenda multilateral. Então, quando a gente está discutindo uma reunião de conselhos de ministros de saúde, porque a gente está discutindo como é que a gente traz a agenda digital para uso na área de saúde, também para o uso nas políticas públicas, para o uso nas plataformas de investimento, a gente está tentando trazer mecanismos concretos, recomendações que podem ser concretizadas em ações dentro do país, mas principalmente na cooperação entre esses países. Isso eu acho que é muito relevante, mas mais do que isso, eu acho que a gente está já vivendo alguns momentos de questionamento do sistema multilateral. O Brasil sempre reforça que a discussão no mundo tem que ser buscar a equidade de participação, reforçar o sistema ONU, reforçar o sistema multilateral. E o BRICS, como um bloco, ele vem reforçar essa discussão multilateral e não ser uma discussão à parte. Isso acho que é muito concreto nas discussões do BRICS. Veio também na discussão do G20 que são blocos que não substituem o sistema multilateral, mas ao fazer essas discussões a gente consegue ir avançando talvez em discussões e criando consensos, mas sempre reforçando que essa agenda do multilateralismo continua central, porque a tendência para esses confrontos, principalmente na área de comércio bilaterais, que a gente está vendo agora, ela sempre existiu. Para isso mecanismos multilaterais são os mecanismos de mediação. Se a gente não reforçar esses mecanismos de mediação, a gente entra em vários processos de guerras físicas mesmo, mas em outros processos de guerras comerciais, em outros processos de disputa, onde você não tem o mediador. Então, o sistema multilateral é fundamental, o sistema de blocos ajuda e deve ajudar a reforçar essas agendas multilaterais e criar consensos. E acho que o BTTC e o BTTNF são espaços também para ajudar nesse processo.