Recuperação de solos e segurança alimentar norteiam debate do BRICS sobre agricultura
Após intensa negociação, a 2ª reunião do Grupo Técnico de Agricultura finalizou os trabalhos em um consenso para a declaração ministerial do grupo. O encontro com os ministros ocorre nesta quinta-feira, 17/4, em Brasília.

A 2ª reunião do Grupo de Trabalho de Agricultura (AWG, na sigla em inglês) finalizou, nesta quarta-feira, 16/4, com consenso sobre as prioridades do BRICS para o assunto, sob a coordenação dos ministérios da Agricultura e Pecuária (MAPA), do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Pesca e Aquicultura (MPA). Dois documentos foram pactuados entre os onze países-membros do agrupamento - a declaração ministerial e um anexo sobre a restauração de terras degradadas. A proposta será apresentada na reunião de ministros da Agricultura, nesta quinta-feira, 17/4, no Itamaraty, em Brasília.
“Avançamos, e isso será motivo do nosso anexo número 1, sobre a parceria para a restauração de solos. Foi um ponto de bastante consenso entre os participantes a necessidade de avançar na restauração de terras degradadas, já que hoje, na média mundial, 30% das terras são degradadas. É algo que pode ajudar, do ponto de vista de nós aumentarmos a produção agrícola, a produtividade agropecuária, e também, fazer isso de maneira mais sustentável possível, em linha com aquilo que é o século XXI, com a modernidade, com o que a gente pensa em relação à sustentabilidade”, disse Luís Rua, secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, que coordenou os três dias de encontro do BRICS, desde a última segunda-feira, 14.
De acordo com Rua, o Brasil liderou a agenda de recuperação de solos pelo exemplo do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, que prevê a recuperação de 40 milhões de hectares de terras degradadas em 10 anos. “Isso é basicamente um território maior do que o território da Alemanha”, resumiu o secretário.
A recuperação de solos contribui para a agricultura sustentável, a regulação da água, a captura de carbono, a biodiversidade e também a segurança alimentar - que também está entre as prioridades do BRICS na agricultura.
Exemplo internacional

As ações de segurança alimentar promovidas pelo Brasil foram vistas como exemplo por outros países, durante a discussão do GT. Entre elas está a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada durante o G20, no ano passado.
Até o momento, dentre os países do BRICS, apenas o Irã não participa formalmente do compromisso internacional. No entanto, o país reconhece a importância de políticas públicas sobre o assunto.
“Tentamos aumentar a segurança alimentar do povo do Irã em todas as quatro colunas da segurança alimentar: a disponibilidade de alimentos, a acessibilidade aos alimentos, a melhor nutrição e dieta alimentar e, por último, a sustentabilidade e a resiliência do sistema alimentar. Assim, toda a proposta do BRICS está alinhada com a estratégia iraniana para a melhoria da segurança alimentar e da agricultura sustentável do Irã”, comentou Ali KianiRad, chefe do Instituto de Pesquisa em Planejamento Agrícola e Desenvolvimento Econômico e Rural do Ministério da Agricultura do Irã.
A presidência brasileira puxou novamente o assunto em debates internacionais, já que, os países do Sul Global são os mais afetados pela fome no mundo, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, da sigla em inglês). Entre 2015 e 2023, a insegurança alimentar moderada e grave aumentou de aproximadamente 21,5% para quase 30% no mundo. Em contraste, a América do Norte e a Europa tiveram uma redução de 9% para 8,7% no mesmo período, apesar de uma tendência crescente iniciada em 2019. Assim, é possível observar que países como os do BRICS são mais afetados pelo fenômeno da fome.
Agricultura familiar
Parte da solução apontada pelo GT de Agricultura para enfrentar a realidade da insegurança alimentar no Sul Global está no incentivo à agricultura familiar.
“Uma das prioridades foi o fortalecimento da agricultura familiar, com destaque para o diálogo sobre políticas públicas que garantam aos produtores de pequena escala o acesso aos instrumentos necessários para prosperar: acesso seguro à terra, crédito, assistência técnica, seguro e mercados. Esses são os fundamentos das economias rurais e da segurança alimentar nacional”, disse Thomas Patriota, chefe da Assessoria Internacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, que realizou a abertura da 2ª reunião do GT.
A expectativa é incorporar trocas de experiências sobre o assunto no Plano de Ação 2025-2028, que será apresentado na Cúpula de Líderes do BRICS, em julho deste ano, no Rio de Janeiro. O documento trará metas práticas em quatro áreas principais: segurança alimentar, produção sustentável, inovação e financiamento agrícola, e facilitação do comércio internacional de produtos do agro.
A escolha de priorizar os pequenos agricultores, feita pela presidência brasileira à frente do BRICS, também foi vista com bons olhos por representantes de outras delegações, como o embaixador da Etiópia, Leulseged Tadese Abebe.
“A agricultura é um tema muito importante para a Etiópia. Somos o segundo país mais populoso da África em termos de população, a terceira maior economia da África Subsaariana e a maior da África Oriental. Portanto, considerando nossa população, é possível compreender o papel crucial da agricultura. É, de fato, um dos pilares da economia. Assim, em nosso plano de desenvolvimento decenal, priorizamos a garantia da segurança alimentar e a modernização do setor agrícola, em particular por meio do aumento da produção e da produtividade dos agricultores familiares. Portanto, este tópico em que estamos nos concentrando, o aumento da produtividade da produção dos agricultores familiares, é extremamente relevante para a Etiópia”, avaliou o embaixador.
Cooperação
Alinhado a isso, o GT de Agricultura também defendeu o fortalecimento de estratégias nacionais para estocar alimentos, além de uma iniciativa coordenada de estoques de alimentos entre os países do BRICS para enfrentar momentos de crise.
“Em tempos de incerteza — provocadas por choques climáticos, conflitos ou instabilidades de mercado — as reservas alimentares são fundamentais para garantir estabilidade e equidade nos sistemas alimentares. Elas funcionam como um amortecedor contra a escassez e como um instrumento para assegurar preços justos para produtores e acessíveis para consumidores, especialmente em momentos de inflação ou crise”, comentou também Patriota, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Também com a intenção de unir os países do Sul Global, o agrupamento discutiu uma certificação eletrônica para produtos de origem animal e vegetal. “Isso é uma modernização. É uma facilitação do comércio, que seguramente ajudará nas transações comerciais entre os membros do BRICS. Ficou muito claro que essa é uma pauta prioritária, que tem o consenso entre todos os membros do bloco”, comemorou Luís Rua.
As definições acordadas no GT de Agricultura serão levadas para a reunião ministerial, que ocorre nesta quinta-feira, 17/4, no Itamaraty. Representarão o Brasil os ministros Carlos Fávaro, da Agricultura e Pecuária, Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e Rivetla Edipo Araujo Cruz, secretário-executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura.