Saúde do BRICS aprova parceria para eliminar doenças socialmente determinadas e fortalece cooperação para vacinas
O agrupamento também destacou a importância do acesso equitativo à saúde para todos. Representantes dos onze países-membros entraram em consenso sobre a Declaração de Ministros da Saúde, que será entregue aos chefes de Estado

Por Mayara Souto
Os ministros de Saúde do BRICS aprovaram, nesta terça-feira, 17/8, no Palácio do Itamaraty, a declaração final do agrupamento sobre o tema. O destaque do texto é a recomendação de criar uma Parceria para Eliminar Doenças Socialmente Determinadas entre os onze países-membros — a ser oficializada na Cúpula de Líderes, nos próximos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.
“O BRICS propôs uma agenda sanitária que busca articular cooperação técnica com o compromisso político de equidade, saúde e desenvolvimento de nossas capacidades. Nosso esforço estruturou-se com três eixos centrais. O primeiro é o enfrentamento dos determinantes sociais da saúde, que resultou na principal iniciativa da presidência brasileira do BRICS: a Parceria do BRICS para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas”, iniciou o ministro da Saúde brasileiro, Alexandre Padilha.
A Declaração prevê que a “aliança” entre os países do Sul Global funcione como um “catalisador para ações integradas e multissetoriais”. Os ministros acreditam que o compromisso internacional, quando assumido pelos chefes de Estado, auxiliará para acelerar “o caminho rumo à equidade em saúde em todo o mundo”. Para garantir que a parceria avance, os chefes da pasta responsável deverão se reunir anualmente para debater o tema.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os determinantes sociais da saúde são as condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. Fatores como fome, pobreza e acesso precário à moradia estão entre as principais situações que impactam diretamente a saúde da população.
Doenças como malária, hanseníase, doença de Chagas e tuberculose estão fortemente relacionadas a esses determinantes sociais. O compromisso do BRICS em eliminar essas enfermidades está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3 – Saúde e Bem-Estar – da Agenda 2030 da ONU, que estabelece como meta a erradicação de epidemias destas doenças até 2030.
“Sabemos que os determinantes sociais da saúde impactam os nossos países e regiões de maneiras distintas, refletindo as especificidades nacionais, os padrões de adoecimento e os contextos epidemiológicos socioeconômicos. Essa universalidade exige respostas contextualizadas sensíveis a realidades locais e capazes de enfrentar desigualdades estruturais. Ao mesmo tempo, reforça a importância da parceria como instrumento de cooperação entre os países-membros e parceiros do BRICS”, complementou Padilha.
Rede de Pesquisa

Entre as doenças socialmente determinadas, a tuberculose recebe atenção especial dos países do BRICS, já que eles carregam, juntos, a maior carga da doença no mundo, concentrando mais de 50% dos casos.
A Rede de Pesquisa em Tuberculose do BRICS teve a 18ª edição, neste ano, e incluiu na declaração final dos ministros de Saúde a necessidade de fortalecer a “cooperação internacional, o financiamento sustentável e os esforços regulatórios coordenados”.
“A tuberculose tem cura e é uma doença que pode ser prevenida. Mas, ela já matou mais pessoas do que todas essas pandemias que vocês conhecem somadas. Muitas pessoas não acreditam nisso. A tuberculose matou mais pessoas do que a peste bubônica, que, como vocês sabem, assolou a Europa, do que a varíola, a malária, do que o HIV e a AIDS. Você pode adicionar COVID, febre amarela, gripe”, lamentou Aaron Motsoaledi, ministro da Saúde da África do Sul, em entrevista exclusiva ao site do BRICS Brasil.
“Uma das razões é que a tuberculose, como eu a defino, não é dramática. Ela não faz barulho como as outras doenças. Ela mata muito silenciosamente, muito lentamente, mas com muita eficácia. E é por isso que precisamos estar atentos”, acrescentou Motsoaledi.
Convidada pela presidência brasileira do BRICS, a Nigéria participou do debate sobre saúde e encontrou similaridade com a realidade local, que também vai ao encontro dos vizinhos continentais sul-africanos.
“A Nigéria é a nação negra mais populosa do mundo. Nosso país também é muito diverso. E o desafio da saúde em torno da cobertura universal de saúde, de doenças socialmente determinadas e de doenças tropicais negligenciadas é particularmente pesado. Ainda temos uma alta prevalência de tuberculose e de HIV. Participar da reunião dos ministros de Saúde do BRICS nos dá a oportunidade de construir parcerias, aprender práticas e também expandir a cooperação para que, como uma só humanidade, possamos continuar a avançar no caminho da saúde para todos”, disse Salako Iziaq Adekunle Adeboye, ministro de Saúde da Nigéria.
Cooperação
Em discurso de abertura, o ministro da Saúde brasileiro, Alexandre Padilha, ressaltou os outros dois eixos principais da Declaração Ministerial da Saúde do BRICS: a superação de desigualdades culturais para acesso pleno à saúde, com ações voltadas para instituições remotas e inovações de saúde, e o fortalecimento das capacidades em ciência e tecnologia e produção de saúde, com destaque para a consolidação do Centro de Produção e Desenvolvimento de Vacinas do BRICS.
Para tratar da cooperação no desenvolvimento de vacinas e tecnologias entre os países do BRICS, o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, também participou da reunião ministerial e defendeu uma visão mais “ousada” na produção científica.
“O Brasil tem um princípio de cooperação estruturante e não foi à toa que apresentou e aprovou, junto ao G20 (no ano passado), a proposta da Coalizão Global para o Desenvolvimento Tecnológico e Produção de Vacinas. E é nessa linha que a gente traz essa discussão para os BRICS, para que seja, de fato, um tecido institucional, onde essas cooperações possam se desenvolver para que a gente tenha mais autonomia e independência com relação à indústria farmacêutica internacional”, iniciou Moreira.
“O Centro de Desenvolvimento de Vacina dos BRICS está trabalhando e já temos um projeto em curso, que é o depósito digital de projetos que estão sendo desenvolvidos. Mas eu acho que nós precisamos ser mais ousados e trabalhar numa perspectiva concreta de desenvolvimento de vacina, de escolher um alvo e trabalhar em torno dele, porque nós temos ativos complementares nesse bloco, que é muito largo, extenso e diverso e temos muitas questões sanitárias em comum que podem ser atacadas pelo desenvolvimento conjunto de uma vacina”, defendeu ainda o presidente da Fiocruz.
Para Moreira, o principal exemplo de cooperação, neste sentido, poderia ser o desenvolvimento de uma vacina dos países do BRICS contra a tuberculose. Atualmente, o imunizante mais utilizado no mundo todo para prevenir os casos graves da tuberculose é a BCG — aplicada, no Brasil, em bebês recém nascidos. No entanto, o imunizante foi desenvolvido há 100 anos e novas tecnologias similares ainda estão em fase de estudo.
“Não há como pensar no enfrentamento de situações análogas a que a gente viveu com a Covid de forma isolada. Estamos num momento muito complicado de ataque ao multilateralismo e blocos como o BRICS, como o Mercosul, estão se arquitetando e se fortalecendo nesse momento delicado. Isso é importante para que a gente possa agir enquanto planeta, já que o que importa no fundo é a saúde do planeta e a vida da sua população humana”, defendeu ainda o presidente da Fiocruz.
Acesso à saúde e tecnologia
Na Declaração Conjunta, o acesso universal à saúde foi reafirmado como essencial, com foco na saúde pública. “Reafirmamos nosso compromisso de cooperar na construção de capacidades e na ampliação do acesso universal a cuidados de saúde, vacinas, terapêuticas, diagnósticos e à cobertura universal de saúde, com foco no fortalecimento de sistemas de saúde resilientes e na promoção da equidade em saúde”, destaca um trecho do documento oficial.
Para assegurar o direito à saúde em todos os lugares, inclusive em regiões de difícil acesso, a tecnologia foi apontada como uma importante aliada. O BRICS recomenda que a inteligência artificial (IA) e as ferramentas digitais sejam desenvolvidas e utilizadas de forma segura, ética e não discriminatória, com o objetivo de reduzir desigualdades, reforçar a soberania digital e melhorar o desempenho dos sistemas de saúde em diferentes contextos.