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“Ter a juventude à mesa não é suficiente”, diz secretário-geral do OIJ

Neste ano, o Organismo Internacional de Juventude para Ibero-América (OIJ) participou pela primeira vez de uma Cúpula de Juventude do BRICS, um passo importante para um maior estreitamento da cooperação Sul-Sul. Confira a entrevista exclusiva com Alexandre Pupo, secretário-geral do OIJ

Alexandre Pupo é o primeiro brasileiro a coordenar o Organismo. Foto: Rafa Neddermeyer/Brics Brasil
Alexandre Pupo é o primeiro brasileiro a coordenar o Organismo. Foto: Rafa Neddermeyer/Brics Brasil

Por Franciéli Barcellos de Moraes / BRICS Brasil

Ao fim do último ano, Alexandre Pupo foi eleito por consenso como secretário-geral do Organismo Internacional de Juventude para Ibero-América (OIJ). É a primeira vez que um brasileiro é eleito para o cargo do único organismo internacional público específico para a juventude, o qual representa 21 países. Além do Brasil, país fundador do BRICS, Bolívia e Cuba, na condição de países parceiros do agrupamento, também integram o OIJ. 

Dentro do escopo de ações da presidência brasileira do Organismo, está a participação inédita em uma Cúpula de Juventude do BRICS, contexto no qual o secretário-geral concedeu uma entrevista exclusiva ao BRICS Brasil. 

Confira a entrevista, em que Pupo detalha a Nova Agenda de Juventude, aponta que os jovens devem não só ocupar espaços, mas liderar debates e construir fóruns próprios, sendo protagonistas de transformações, e enfatiza a cooperação Sul-Sul como um caminho estratégico para construir soluções globais mais inclusivas.

Esta é a primeira vez que o OIJ participa formalmente da Cúpula de Juventude do BRICS. Desta forma, como a agenda do Organismo se alinha com a agenda de juventude do grupo?

Alexandre Pupo — Nós tentamos fazer a interlocução do que é a agenda de juventudes do BRICS com a Nova Agenda de Juventude, que é a pauta da agenda política do Organismo com os países ibero-americanos. A verdade é que há muitas sinergias, a comunidade ibero-americana é composta por países principalmente em desenvolvimento. Então, há muito que une essa juventude do Sul Global, seja na América Latina, na América Ibérica, seja no resto do mundo, organizado pelos BRICS. 

O OIJ é o único mecanismo internacional público orientado especificamente para a juventude. No contexto desta reunião, que congrega representações da Ásia, África, Oceania, como os trabalhos do Organismo pode cooperar em estimular a formalização de instituições similares em demais continentes? 

Alexandre Pupo — O OIJ nasce e existe exatamente para reforçar a institucionalidade da juventude nos países ibero-americanos. O que significa isso? Reforçar que haja um Ministério de Juventude, uma Secretaria de Juventude, que tenhamos políticas de juventude, uma lei de juventude, conselhos para a participação social da juventude. E nós encontramos isso também em muitos outros países, obviamente com modelos diferentes. Na Cúpula, pudemos ouvir dos Emirados Árabes como eles organizam os conselhos de juventude em todos os ministérios, por exemplo. Então, eu acho que esse intercâmbio, em primeiro lugar, ajuda a gente a pensar em outras formas de institucionalização da juventude.

Por outro lado, acho que o OIJ pode servir para fomentar que em outras regiões do mundo também as juventudes se unam em organismos como uma organização internacional, que é o nosso caso, para fomentar regionalmente essas políticas. E o OIJ também é um organismo aberto, que pode contar com novos membros para além daqueles da região Ibero-americana.

No último ano, por ocasião da presidência brasileira do G20, o então secretário-geral da OIJ, Max Trejo, esteve aqui para a reunião do Youth 20, grupo de engajamento de juventude das principais economias do mundo, e tratou sobre os temas da OIJ sob sua gestão. Para os próximos cinco anos, quais são os temas em destaque?

Alexandre Pupo — A gente, no começo desta gestão, organizou as prioridades que a gente sentiu ao longo da campanha, conversando com os países. Em primeiro lugar, é Juventudes e Democracia. A gente precisa trabalhar a temática com essa geração, que as pesquisas têm indicado que tem um pouco menos de aderência às ideias democráticas, mas que quando a gente vai ver as práticas, os desejos delas ainda se relacionam muito com a democracia. O segundo é Saúde Mental e Redes Sociais, um problema que é transversal, que passa por todos os países. Inclusive, aqui no BRICS, nós ouvimos outros países discutirem isso a partir da perspectiva da juventude. 

Em terceiro, o Mundo do Trabalho e Emancipação, o desafio de uma inserção qualificada da juventude no mercado de trabalho. O quarto, Sustentabilidade e Justiça Socioambiental. Estamos em ano de Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), aqui na nossa região e a gente vai trabalhar muito isso. E, por último, as Interseccionalidades, porque a juventude sabe que as desigualdades tem cor, tem raça, tem estrato de renda e é por isso que a gente quer trabalhar isso de forma transversal em tudo que a gente faz. Essas são as cinco prioridades que a gente tem trabalhado nesse começo de gestão.

"Acho que o OIJ pode servir para fomentar que em outras regiões do mundo também as juventudes se unam em organismos como uma organização internacional, que é o nosso caso, para fomentar regionalmente essas políticas. E o OIJ também é um organismo aberto, que pode contar com novos membros para além daqueles da região Ibero-americana"

Considerando a juventude de uma perspectiva plural, como juventudes, em especial no contexto da diversidade do Sul Global, existe uma demanda comum, que unifique todos os jovens de países aqui presentes? Qual?

Alexandre Pupo — Eu acho que isso fica bem resumido por aquela ideia que a juventude quer ter futuro. Há, por um lado, elementos socioeconômicos, da crise de acesso ao trabalho, de outro, uma incapacidade de projetar esse futuro diante da crise climática, diante dos desafios da digitalização e da inteligência artificial. Então, eu acho que apesar de muitas muitas juventudes, de uma diversidade muito grande entre elas, há de forma conjunta essa ideia de defender o direito da juventude sonhar e ter futuro.

Muitas políticas não atendem as demandas dos jovens parecem estar fora de sintonia com o mundo atual. Assim, qual é a importância de uma reforma da governança global para o êxito das agendas de juventude?

Alexandre Pupo — Os jovens são aqueles que estão sendo mais penalizados pelas crises que a gente está vivendo. Isso, para mim, tem duas razões. A primeira é porque a juventude não está tomando as decisões, não está ajudando a tomar as decisões. Então, ela não participa de debates que a tocam diretamente. E a segunda tem a ver com o modo como as decisões têm sido tomadas. Para além de não ter a juventude, usam de uma visão de mundo e uma de forma de organizar o mundo que já é muito ultrapassada, que já não tem aderência na na realidade. Então, quando a juventude discute reforma do Conselho de Segurança, reforma das instituições financeiras globais, parece um tema muito distante, mas na verdade não é, porque diz respeito a como as decisões sobre esses temas tão urgentes estão sendo tomadas hoje no mundo e como elas precisam ser reformadas para, de fato, atender os interesses da juventude. 

Eu vou dar dois exemplos, que eu acho que são muito claros. O primeiro é exatamente de saúde mental. A maior parte dos sistemas de saúde pública no mundo não tem um protocolo específico para trabalhar isso junto das juventudes. Então, a juventude precisa empurrar esses debates para acontecerem. O segundo, que é um outro lado da mesma moeda, as redes sociais. Hoje a gente debate a necessidade de regularizar e proteger esse espaço virtual, só que esse debate não é feito com os usuários. Esse debate é feito com os donos das empresas. Então, reformar o modo como essas decisões são tomadas é também tornar a juventude protagonista das soluções e não só dos problemas que a gente vive hoje.

"Hoje a gente debate a necessidade de regularizar e proteger esse espaço virtual, só que esse debate não é feito com os usuários. Esse debate é feito com os donos das empresas. Então, reformar o modo como essas decisões são tomadas é também tornar a juventude protagonista das soluções e não só dos problemas que a gente vive hoje"

Como você colocou ao início de sua resposta, um espaço como este, em que as juventudes são protagonistas do processo, é muito relevante. Porém, quais caminhos para avançar pela participação ativa da juventude em mesas de decisões não apenas sobre esportes, educação e diversidade, mas economia e demais assuntos estruturais à agendas nacional e internacional?

Alexandre Pupo — Eu acho que a gente começou essa luta, pelos lugares da juventude, falando muito em cotas. A juventude tem que ter cotas nas direções dos sindicatos, nas direções partidárias, a juventude tem que ter um lugar à mesa. E o lugar à mesa, ele é importante, porque você sabe o que está sendo discutido. Eu sempre digo que é importante ter a juventude nas discussões até por uma questão de sustentabilidade das decisões que estão sendo tomadas e da informação sobre o que está sendo discutido.

Ter a juventude à mesa é a garantia de que as novas gerações estão inteiradas dos debates. Mas isso não é suficiente, porque de que adianta ter a juventude à mesa para cumprir uma cena, para cumprir um protocolo, mas não poder ajudar a definir rumos na tomada de decisão? Então, o nosso desafio é trabalhar o conceito da participação significativa, um conceito que o Felipe Paullier, que é o secretário adjunto para a Juventude das Nações Unidas (ONU). Nós temos a tese de que na construção desses temas como saúde mental, redes sociais, a juventude não tem que só ser ouvida ou ser escutada. Ela tem que coordenar esses debates. Ela tem que criar os próprios fóruns onde essas bandeiras políticas e essas agendas políticas vão ser debatidas e defendidas. 

Por fim, há algo mais que não tenhamos perguntado e você ache importante destacar? 

Alexandre Pupo — Para nós foi um orgulho muito grande poder participar enquanto OIJ pela primeira vez da Cúpula de Juventude do BRICS, porque nós entendemos, principalmente a partir dessa secretaria-geral brasileira que nós conquistamos, que o OIJ é esse organismo que tem que estar a serviço dos interesses da juventude do Sul Global. Nós entendemos que parte do papel político que o Organismo tem para cumprir hoje é se articular também extra-regionalmente.

Então, não só dos nossos países membros, mas construindo laços, principalmente com África e com Ásia, na construção de saídas jovens desde o Sul. Essa perspectiva de cooperação Sul-Sul que a gente vai valorizar muito, como a Cúpula de Juventude do BRICS no próximo ano, a partir da presidência pro tempore indiana.