BRICS BRASIL

Mauricio Lyrio: “BRICS é essencial para o fortalecimento das economias emergentes e o combate às desigualdades”

O embaixador Mauricio Lyrio, designado como sherpa pelo governo brasileiro, vai coordenar a agenda do BRICS até a Cúpula de Líderes. Em entrevista exclusiva, ele detalha algumas das prioridades da presidência brasileira em 2025.

O embaixador Mauricio Lyrio lidera a agenda do BRICS, com foco em desenvolvimento, saúde, clima e inteligência artificial | Foto: Rafa Neddermeyer / BRICS Brasil / PR
O embaixador Mauricio Lyrio lidera a agenda do BRICS, com foco em desenvolvimento, saúde, clima e inteligência artificial | Foto: Rafa Neddermeyer / BRICS Brasil / PR

Por Leandro Molina (leandro.molina@presidencia.gov.br)

O governo do Brasil anunciou que o embaixador Mauricio Carvalho Lyrio será o negociador-chefe do país no BRICS. Ele vai ocupar o cargo de “sherpa” durante a presidência temporária brasileira do grupo. Lyrio, que exerceu a mesma função no G20, no ano passado, será responsável pela coordenação e organização da agenda de reuniões técnicas e ministeriais ao longo do primeiro semestre de 2025. A nomeação do embaixador destaca o papel estratégico e a experiência de Mauricio Lyrio nas principais negociações internacionais, com foco em fortalecer a posição do Brasil nas relações multilaterais.

O BRICS conta com 11 membros plenos – além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se uniram ao bloco: Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Irã e Indonésia. Em dezembro de 2024, a então presidência russa do BRICS anunciou o ingresso, na qualidade de países parceiros, a partir de 1º de janeiro de 2025, de Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Também em janeiro, a Nigéria aceitou formalmente o convite para se tornar país parceiro do grupo.

Em entrevista exclusiva, o embaixador e sherpa Mauricio Lyrio fala do cenário internacional cada vez mais dinâmico, em que o Brasil tem desempenhado papel fundamental no fortalecimento das alianças entre economias emergentes. 

Site BRICS Brasil: Embaixador, como o senhor passou a ser sherpa do BRICS e qual a conexão com o G20, dois grupos que têm ganhado cada vez mais destaque nas discussões sobre o futuro da economia mundial.

Mauricio Lyrio: Eu sou diplomata de carreira, embaixador, e como secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, eu já era encarregado da área do G20 e também de negociações comerciais e financeiras. E nessa condição, fui convidado para assumir como sherpa do Brasil no BRICS, já que nós temos a presidência brasileira do grupo. O BRICS, nesse aspecto, é muito parecido com o G20. Cada país exerce a presidência durante um ano, e agora é a vez do Brasil. 

Site BRICS Brasil: O que é o BRICS e qual sua função no cenário global?

Mauricio Lyrio: É um grupo que originalmente tinha quatro países, Brasil, China, Índia e Rússia. Em 2011, a África do Sul foi incorporada. Então o BRICS hoje tem, na verdade, 11 países, todos eles importantes no mundo em desenvolvimento e com essa capacidade de aperfeiçoar a cooperação para que todos possam superar os seus problemas de falta de desenvolvimento em várias áreas. Esse é o propósito principal e o Brasil assume a presidência com o objetivo de reforçar a vertente de desenvolvimento econômico, social e ambiental, que é uma marca da política externa brasileira, mas que é também uma característica própria do BRICS. O Brasil mantém boas relações internacionais e participa de grupos como o G7 e o BRICS. O presidente Lula é convidado desses fóruns internacionais, devido à importância do Brasil e de seu papel como estadista. O Brasil, ao assumir a presidência, busca fortalecer o desenvolvimento econômico, social e ambiental, alinhado à sua política externa.

Site BRICS Brasil: A presidência brasileira do BRICS já definiu prioridades?

Mauricio Lyrio: Algumas já estão definidas, como o desenvolvimento social e econômico, com ênfase no combate à fome e à pobreza, além do fortalecimento da cooperação em saúde, já que muitas doenças afetam mais os países do grupo; parceria econômica, ampliando o comércio, investimentos e cooperação financeira, com destaque para o Banco do BRICS e o financiamento de infraestrutura sustentável; mudança do clima, com o Brasil liderando negociações para financiamento climático e coordenando esforços para a COP30; e inteligência artificial, garantindo que sua aplicação contribua para reduzir desigualdades e impulsionar o desenvolvimento sustentável. O Brasil busca integrar essas pautas, reforçando seu compromisso com crescimento econômico, inclusão social e preservação ambiental dentro do BRICS.

Site BRICS Brasil: Sobre boatos de que o BRICS seria um bloco antiamericano, o que o senhor tem a dizer sobre isso?

Mauricio Lyrio: Essa visão é completamente equivocada. O BRICS foi criado para promover o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, não como um antagonismo aos países ricos. O crescimento do BRICS tem gerado efeitos positivos para a economia internacional, incluindo para os países ricos. O G20, por exemplo, foi criado após a crise financeira de 2008 para integrar os países em desenvolvimento nas discussões globais e os países do BRICS desempenham um papel fundamental nesse contexto. O objetivo é que todos, ricos e em desenvolvimento, cooperem para resolver problemas globais, como a crise do clima, a pobreza e a saúde.

Site BRICS Brasil: De que maneira os países do BRICS estão abordando a questão da mudança do clima e quais são as estratégias para financiar iniciativas verdes?

Mauricio Lyrio: A mudança do clima é uma questão urgente, e o BRICS tem se posicionado de forma ativa para tratar desse problema. Um dos maiores desafios é o financiamento da transição energética nos países em desenvolvimento, que precisam de apoio financeiro para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e adotar fontes de energia mais limpas. O BRICS busca uma posição conjunta para pressionar os países ricos a cumprirem seus compromissos de financiamento climático, uma vez que foram eles os maiores responsáveis pelas emissões de CO2 historicamente. A COP30, que ocorrerá em novembro no Brasil, será uma oportunidade para alinhar os países do BRICS em torno de uma estratégia comum de combate à mudança do clima.

Site BRICS Brasil: Quais são as perspectivas do BRICS em relação ao tema da inteligência artificial?

Mauricio Lyrio: A inteligência artificial é um tema central para o BRICS, com grande potencial para impactar positivamente áreas como saúde, combate à mudança do clima e educação. No entanto, também é necessário estar atento aos riscos, como a substituição de empregos e a proliferação de fake news. O BRICS está trabalhando para criar uma governança internacional para garantir que a inteligência artificial seja usada de maneira ética e para resolver problemas globais, como a pobreza e as doenças.

Site BRICS Brasil: Como o BRICS pode ajudar os países em desenvolvimento a enfrentarem os problemas de saúde?

Mauricio Lyrio: O BRICS tem grande potencial para fortalecer a cooperação na área de saúde, especialmente, no combate a doenças tropicais negligenciadas e outras doenças que afetam mais os países em desenvolvimento. Os países do BRICS são grandes produtores de vacinas e medicamentos, e podemos utilizar esse potencial para enfrentar esses desafios. O Brasil, por exemplo, tem uma forte indústria farmacêutica e é um líder na produção de vacinas. Aproveitar essas capacidades para combater doenças como a tuberculose, que tem maior incidência em países em desenvolvimento, é uma prioridade do grupo.

Site BRICS Brasil: Como o BRICS vê o futuro do comércio e investimentos sustentáveis?

Mauricio Lyrio: O BRICS tem avançado na área de cooperação financeira e comercial. O Banco do BRICS, por exemplo, foi criado para financiar projetos de infraestrutura, incluindo iniciativas verdes. A China, por exemplo, é líder em tecnologias verdes, como carros elétricos e painéis solares, e essa expertise pode ser compartilhada entre os países do BRICS. O grupo também está focado em reduzir os custos de comércio entre seus membros e expandir os investimentos, especialmente em setores sustentáveis. A cooperação no comércio e investimentos é uma das áreas de maior potencial para o BRICS no futuro.

Site BRICS Brasil: Qual é a perspectiva do Brasil sobre o fortalecimento institucional do BRICS e seu impacto nas relações internacionais?

Mauricio Lyrio: A presidência brasileira do BRICS ocorre em um momento de transformação do grupo, que passou de cinco para 11 países membros em 2023. Além disso, em 2024, foi criada a categoria de países parceiros. Com essa ampliação, é necessário aperfeiçoar os métodos e mecanismos institucionais para garantir um funcionamento eficiente. O Brasil considera essa transição uma prioridade, buscando fortalecer a governança do BRICS e adaptar suas estruturas à nova composição.

Site BRICS Brasil: Como o fortalecimento do BRICS impacta diretamente a vida das pessoas?

Mauricio Lyrio: A cooperação internacional, como no caso do G20 e BRICS, é fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Através de iniciativas como a negociação do acordo Mercosul-União Europeia, busca-se promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental. A luta contra a fome e doenças tropicais, como dengue e chikungunya, afeta diretamente a vida da população brasileira. A diplomacia, por meio da cooperação internacional, facilita o acesso a recursos e tecnologias, como as vacinas no BRICS, trazendo benefícios concretos para as pessoas. A inteligência artificial também pode ser uma aliada para combater desafios como as mudanças do clima e melhorar a saúde, sendo um tema em que a política externa brasileira atua para gerar resultados diretos e impactantes na vida cotidiana das pessoas. Embora seja desafiador conectar negociações internacionais com o cotidiano das pessoas, a política externa brasileira tem como prioridade tornar essas negociações mais concretas e objetivas, para gerar resultados reais e impactantes na vida da população brasileira.

Site BRICS Brasil: Há oportunidade para a participação social no BRICS, assim como aconteceu no G20?

Mauricio Lyrio: Sim, estamos coordenando isso com a Secretaria-Geral da Presidência da República, que realizou um excelente trabalho no G20, especialmente com o G20 Social, que foi um grande sucesso. Os sherpas também receberam contribuições da sociedade em diversos eventos. Portanto, essa sempre foi uma prioridade para o governo brasileiro: não apenas ouvir, mas interagir de maneira mais direta com a sociedade em todas as negociações.

Site BRICS Brasil: Para finalizar, qual sua mensagem aos brasileiros e brasileiras sobre o que esperar do BRICS sob a presidência do Brasil?

Mauricio Lyrio: A mensagem que gostaria de passar é que o Brasil, mais uma vez, está trazendo para o país uma negociação de grande importância. Esse grupo representa uma característica única do Brasil: a capacidade de dialogar com todos os países de maneira construtiva e sem conflitos, algo que poucos países conseguem fazer. Essa virtude permite ao Brasil construir pontes e desenvolver a diplomacia em um momento crucial para o mundo. Assim como tivemos uma grande participação da sociedade no G20, é essencial que a sociedade também esteja envolvida na presidência brasileira do BRICS, fortalecendo as posições externas do Brasil e garantindo que os resultados das negociações tragam benefícios diretos à população. O BRICS é, sem dúvida, voltado para os interesses dos cidadãos e, nesse contexto, o Brasil tem o papel de representar os mais diversos grupos, seja entre países ricos e pobres, tropicais ou temperados, em diferentes continentes. O consenso é a base para todos esses grupos.