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Think tanks de Brasil e China avançam em debates sobre nova ordem econômica, IA e transição verde

Às vésperas da Cúpula de Líderes do BRICS, o BRICS Policy Center (BR) e o Beijing Club (CH) reuniram especialistas, no Rio de Janeiro (RJ), para debater temas prioritários da agenda de países do Sul Global

Debates aconteceram na PUC-Rio, com a presença de pesquisadores de outros países do Sul Global — Foto: Rafael Medelima
Debates aconteceram na PUC-Rio, com a presença de pesquisadores de outros países do Sul Global — Foto: Rafael Medelima

Cooperação em comércio; concertação para aumentar a representatividade dos países do Sul Global na ordem econômica mundial; esforços pelo uso ético da inteligência artificial (IA)  e pela equidade na gestão dos dados; caminhos para uma transição verde justa e financeiramente viável. Assuntos centrais aos debates do BRICS e temas de proeminência nas agendas bilaterais dos países membros do grupo. Este foram os destaques do evento “Perspectivas para a Cúpula do BRICS: Diálogo Brasil-China sobre o BRICS e a Cooperação Global”, que aconteceu, nesta quinta-feira, 3/7, no escopo de atividades que antecedem a Cúpula de Líderes, no Rio de Janeiro (RJ).

O evento ocorre no contexto de continuidade das celebrações do cinquentenário das relações diplomáticas sino-brasileiras, que foi comemorado no último ano. Com promoção do BRICS Policy Center, think tank vinculado ao Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e do think tank chinês Beijing Club for International Dialogue, congregou-se estudiosos da pauta a fim de avançar em compreensões e indicações comuns entre os dois países fundadores do BRICS nos temas destacados. 

“Estamos extremamente comprometidos em fortalecer esse diálogo e desenvolver soluções conjuntas. Obviamente, existem desafios, mas as oportunidades são enormes. A gente acredita que as universidades e os think tanks têm um papel especial e crucial no estabelecimento de pontes entre as nações, destacou Marta Fernandez, diretora do BRICS Policy Center.

Inteligência Artificial, soberania e desenvolvimento

A discussão foi guiada por três eixos: o impacto geopolítico da tecnologia, o aprofundamento das desigualdades digitais e a necessidade de uma regulação soberana e inclusiva. Os participantes destacaram que o avanço acelerado da IA nos países desenvolvidos tende a concentrar ainda mais riqueza e poder tecnológico no Norte Global, enquanto limita as oportunidades de industrialização e desenvolvimento para países da América Latina, África e Sul da Ásia. 

Na visão dos especialistas, esse movimento ameaça alargar ainda mais o fosso digital existente, criando um cenário de exclusão e dependência tecnológica. Desta forma, ressaltaram a importância de construir ecossistemas próprios que envolvam infraestrutura tecnológica, marcos regulatórios e legislações claras sobre temas como proteção de dados, cibercrime, regulação de conteúdo e comércio eletrônico. 

“Assim, é essencial que os países do BRICS invistam pesadamente em infraestrutura digital – não apenas estradas, pontes e portos, mas redes, nuvens públicas e infraestrutura de dados. Também precisamos compartilhar tecnologia e promover o uso de código aberto”, pontuou Zhao Hai, da Academia Chinesa de Ciências Sociais. Ele continuou a exposição com a colocação que, apesar do Norte Global dominar as patentes e os talentos, o open source oferece uma plataforma acessível para que países em desenvolvimento possam aplicar ferramentas adaptadas às suas realidades.

Como caminhos possíveis para enfrentar esses desafios, os debatedores também propuseram a criação de centros de formação conjuntos entre os países do BRICS, voltados à capacitação de talentos, pesquisa colaborativa e desenvolvimento de algoritmos próprios. Outro destaque foi a proposta de ampliar o financiamento de infraestrutura digital pública — como nuvens soberanas e sistemas de IA regionais — com apoio do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). 

Transição verde e cooperação climática em um mundo multipolar

Neste tema, os participantes convergiram sobre a necessidade de justiça climática como base de qualquer processo de descarbonização, bem como pela urgência em reformar a arquitetura financeira internacional para garantir financiamento acessível e justo. A máxima da discussão esteve no fato de que, para os países em desenvolvimento, o desafio é duplo: crescer economicamente enquanto reduzem suas emissões. Neste contexto, os debates ressaltaram que uma transição justa precisa preservar meios de vida, respeitar direitos históricos e evitar a criação de novas zonas de sacrifício, muitas vezes localizadas em territórios periféricos ou ambientalmente sensíveis.

Também não fugiu à mesa debater a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), a ocorrer em Belém (PA), em novembro deste ano. Frisou-se o evento como uma oportunidade única para o Sul Global fazer ouvir sua voz sobre que tipo de transição estes países desejam. 

“Estamos vivendo processos muito preocupantes na ordem internacional, nos espaços internacionais, especialmente sobre as fragilidades do sistema multilateral. E arranjos como o BRICS podem fortalecer esse sistema, hoje em crise. Então, na pauta climática, a gente percebe que claramente as agendas, do G20,  do BRICS e logo a COP30 têm cruzamentos muito fundamentais”, indicou Maureen Santos, ativista climática e professora de Relações Internacionais na PUC-Rio.

Por fim, um alerta uniu os participantes: a transição não acontecerá de forma natural. Sem ação coletiva e coordenação internacional, ela pode retroceder ou aprofundar desigualdades. Assim, o fortalecimento de fóruns multilaterais, como o BRICS, foi apontado como essencial para a construção de novas regras e mecanismos, na compreensão de que o protagonismo crescente do Sul Global na construção de soluções cooperativas precisa ser levado em conta.

Think tanks no BRICS 

No pilar People to People (P2P) do grupo, em que as iniciativas da sociedade civil se enquadram, a participação dos think tanks é uma das mais estruturadas. Há mais de dez anos o Conselho de Think Tanks do BRICS (BTTC) se reúne e, neste ano, já em abril, a coordenação, na figura da presidenta do Instituto Brasileira de Pesquisa Aplicada (IPEA), Luciana Servo, entregou uma série de recomendações ao sherpa brasileiro, o embaixador Mauricio Lyrio.

“Os think tanks não são decisores de políticas públicas. Então, em um momento de geopolítica complexo, reunir instituições que tem por base o conhecimento e ao mesmo tempo tem possibilidade de dialogar com seus governos, ajuda a que esses governos estabeleçam diálogos mais consequentes entre eles”, disse ao BRICS Brasil, em entrevista exclusiva, a presidenta do IPEA à época.