BRICS BRASIL

Há 15 anos o Brasil sediava pela primeira vez uma Cúpula do BRICS

Em 2010, o país recebeu a II Cúpula do BRIC, em um momento em que o grupo ainda era estruturado. Entre os debates, temas que repercutem na agenda do BRICS até a atualidade.

A reunião aconteceu na casa da diplomacia nacional, o Palácio Itamaraty. Foto: Divulgação/Gabinete do Primeiro-Ministro da Índia
A reunião aconteceu na casa da diplomacia nacional, o Palácio Itamaraty. Foto: Divulgação/Gabinete do Primeiro-Ministro da Índia

Por Franciéli Barcellos de Moraes / francieli.moraes@presidencia.gov.br

Dos 16 anos percorridos desde a primeira Cúpula do principal foro de cooperação dos países do Sul Global, em Ecaterimburgo, na Rússia, em 2009, até aqui, muitos avanços podem ser enfatizados. Entre eles, o fortalecimento da participação da sociedade civil nas discussões, por meio do pilar People to People (P2P); o destaque para novos assuntos importantes para a conjuntura mundial, como governança em inteligência artificial e cooperação para a eliminação de doenças socialmente determinadas; e a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), que já atua com capital autorizado de 100 bilhões de dólares; entre outros exemplos. 

Mas algo permanece: o compromisso por maior visibilidade e representatividade do Sul Global nas dinâmicas política e financeira internacionais. Esse tema é central nas negociações desde a 2ª Cúpula do BRIC, que aconteceu no Brasil em 2010, e é um marco na legitimação desses valores. 

"[...] as coisas se atropelaram. Para mim, aquilo foi um ato contínuo de 48 horas sem dormir praticamente, em função das demandas que foram se dando [...]"

“Estávamos na Rússia para a primeira Cúpula e transmitimos a seguinte ideia: olha, o presidente Lula vai deixar de governar o Brasil a partir do final de 2010, é o último ano do governo dele, e ele gostaria muito de ser anfitrião de uma segunda Reunião de Líderes do BRIC, esperamos que os senhores não se oponham a isso. E ninguém se opôs. Dali a gente já sabia que, na prática, isso significaria uma periodicidade anual das reuniões, o que no começo não era claro, se teria essa periodicidade”, relembra o embaixador Roberto Jaguaribe, que atuou como sherpa do BRIC Brasil 2010 e liderou as discussões. 

Assim, há exatos 15 anos, no dia 15 de abril de 2010, o Brasil sediava pela primeira vez uma Cúpula do BRICS (naquele tempo ainda BRIC), o último evento antes da formalização da África do Sul como país membro. 

O agrupamento de nações do Sul Global até então só tinha realizado um encontro formal inscrito sob a sigla, em território russo, no ano anterior, e ainda amadurecia resoluções sobre a estrutura, formatos das negociações e cooperação. A primeira presidência brasileira inaugurou  diversas  reuniões, como: de Ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário; dos Dirigentes das Instituições Nacionais de Estatística; de Cooperativas; do Fórum Empresarial; e de Bancos de Desenvolvimento - uma semente plantada que, quatro anos depois, em 2014, na segunda oportunidade em que o país presidiu o grupo, brotaria a fundação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).

Desde 2019, Roberto Jaguaribe serve como embaixador do Brasil em Berlim, Alemanha. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Desde 2019, Roberto Jaguaribe serve como embaixador do Brasil em Berlim, Alemanha. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O embaixador Jaguaribe lembra que desde aquele momento outras nações já indicavam interesse em ingressar no grupo e retoma como foi a organização desta 2ª Cúpula, que precisou ser antecipada devido a um terremoto  ocorrido na província de Chingai, na China. “A proposta original é que houvesse uma Reunião de Sherpas, seguida de uma Reunião dos Chanceleres e então uma Reunião de Líderes. Mas as coisas se atropelaram. Para mim, aquilo foi um ato contínuo de 48 horas sem dormir praticamente, em função das demandas que foram se dando”, recordou ele, frisando que os imprevistos não prejudicaram a entrega de uma Declaração Final coesa.

“Demos um passo fundamental para consolidar uma parceria iniciada em Ecaterimburgo, no ano passado. Decidimos aprofundar a cooperação no âmbito do BRIC e estamos confiantes de que a convergência aqui alcançada contribuirá para a constituição de um espaço de diálogo e de concertação”, colocou o presidente Lula à imprensa ao fim da sessão plenária que se realizou há 15 anos atrás em Brasília, capital do país.

IBAS e a África do Sul

Se foi apenas no ano seguinte, 2011, sob a presidência chinesa do grupo, que a África do Sul ingressou como país membro, redefinindo o acrônimo para qual hoje conhecemos - BRICS, a cooperação sul-africana com Brasil e Índia, conhecida como IBAS (Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul), em termos de fortalecimento do Sul Global, foi anterior, e consolidou-se a partir de uma iniciativa brasileira.

O primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, o presidente Lula e o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, na 4ª Cúpula do IBAS. Foto: José Cruz/Agência Brasil
O primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, o presidente Lula e o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, na 4ª Cúpula do IBAS. Foto: José Cruz/Agência Brasil

É que além de ser um dos idealizadores do BRICS, o embaixador Celso Amorim, que desempenhou o papel de ministro das Relações Exteriores do Brasil de 2003 a 2010, também foi arquiteto do Fórum. O lançamento da iniciativa, ainda em 2003, foi a primeira entrega no rol de compromissos em política externa do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. 

“Essa entidade foi uma ideia do ministro Celso Amorim. Ele viu os enviados de alto nível desses países para posse do presidente Lula sentados no Itamaraty e pensou: caramba, isso aqui é um embrião de um agrupamento de muita relevância potencial”, dividiu o embaixador Jaguaribe.

Sete anos após, em 14 de abril de 2010, foi realizado, no Rio de Janeiro (RJ), o Seminário IBAS-BRIC, estreitando a relação sul-africana com o agrupamento recém criado. No dia seguinte (15), em Brasília, ocorria, simultaneamente, a 2ª Cúpula do BRIC e a 4ª Cúpula do IBAS. “Esta é uma semana especial para o Brasil. Organizamos dois encontros de Cúpula com alguns dos países mais importantes para a nova governança global”, declarou Lula na ocasião.

Prioridades coesas na história do agrupamento

“Compartilhamos a percepção de que o mundo está passando por mudanças grandes e rápidas que destacam a necessidade de transformações correspondentes na governança global em todas as áreas relevantes”.

Este é o trecho que abre a Declaração de Líderes da II Cúpula do BRIC, mas que facilmente poderia ter sido escrito no contexto presente, pois já era um indicativo da complexidade dos desafios do mundo globalizado no século XXI, como também da coerência programática do agrupamento ao longo dos anos. 

Como instância criada em função de uma comum inquietação com relação a questões internacionais, em especial pela insatisfação com o nível de participação dessas nações nas instâncias mais expressivas de governança pública global, temas que hoje são destrinchados por grupos de trabalho do BRICS (estrutura não formalizada à época) já eram centrais às discussões em 2010. 

A segunda declaração do grupo já cita o interesse em facilitar a cooperação monetária por meio de transações comerciais em moedas locais; a coordenação de esforços pela inclusão social e o combate à pobreza; o compromisso por um multilateralismo fortalecido; e o apelo um método de seleção aberto e baseado em mérito, independentemente da nacionalidade, para os cargos de liderança do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, bem como reivindica maior espaço de participação a países em desenvolvimento.

Na foto, Dilma Rousseff, presidenta do NDB, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, e o embaixador Celso Amorim, atual assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Na foto, Dilma Rousseff, presidenta do NDB, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, e o embaixador Celso Amorim, atual assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O BRICS de lá para cá

Se as prioridades do grupo ainda são as mesmas, a densidade dos arranjos de cooperação, a visibilidade internacional e o número de nações participantes já não é o mesmo. Levando em conta a composição plena que durou 14 anos (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o aumento de países, membros e parceiros, implicados formalmente nos objetivos de cooperação do Sul Global é de 300%.

Além da manutenção das prioridades, tanto para Jaguaribe quanto para Amorim, outro ponto não se alterou, ao contrário, solidificou-se: a pertinência do grupo como amplificador das vozes e políticas dos países do Sul Global.

“As coisas já são muito mais complexas e a realidade atual dá evidência cabal disso. Mas nós já sabemos, há muito tempo, que estamos no hoje chamado Sul Global, e que o mundo não é bem como a narrativa prevalente dá conta de ser. Não tenho dúvidas que a criação deste agrupamento deu vazão a conceitos e percepções que de outra forma não teriam tido essa visibilidade”, diz o primeiro sherpa brasileiro.

"Não tenho dúvidas que a criação deste agrupamento deu vazão a conceitos e percepções que de outra forma não teriam tido essa visibilidade."

Amorim, em entrevista exclusiva ao BRICS Brasil, vai ao encontro do colega de diplomacia, ao afirmar que “a ideia de cooperação do BRICS é muito importante porque mostrou para os grandes países ocidentais capitalistas que eles não podem ditar as regras, podem até ter iniciativas, mas vão ter que discutir conosco”.

A Cúpula deste ano, a quarta a ser realizada em solo brasileiro, será nos dias 6 e 7 de julho, e pela primeira vez terá como palco o Rio de Janeiro (RJ). Na oportunidade, a cidade, que já foi capital federal do país anteriormente à construção de Brasília, receberá tanto as autoridades dos 11 países membros como dos países parceiros.